zangado com os meninos desobedientes e, por isso, atirava setas de fogo e raios 
incandescentes, partindo árvores e abrasando a Terra. Mas o menino Jesus arregalava os 
olhos sem qualquer temor, pois não podia admitir qualquer noção de castigo ou de ira por 
parte do Pai que estava no céu. Desprovido de má intenção e íntegro espiritualmente, sem 
ter jamais movido uma funda para ferir um animal feroz ou inseto venenoso, no seu 
cérebro pequenino não havia guarida para a idéia severa que os rabis e profetas faziam 
de Jeová e seus anjos. 

José e Maria então desanimavam ante a infinidade de indagações que surgiam da 

parte de Jesus, ao tentarem convencê-lo das disposições belicosas de Jeová. Ele não 
temia o fragor dos trovões nem se assustava com a queda próxima do raio, porque 
reconhecia em tudo a obra do Senhor, que amava os seus filhos e jamais criara coisas 
para o sofrimento dos homens. Não podia conceber quaisquer perigos no seio da Vida, 
porque seu espírito sentia-se eterno e considerava a morte corporal um acontecimento de 
menor importância. Sob o espanto dos companheiros e dos próprios adultos, quando a 
natureza se movia inquieta, o céu se escurecia com as nuvens pesadas de água e 
eletricidade, Jesus se rejubilava e batia palmas de contente. Inquieto, porém satisfeito, 
esperava a tempestade arrasadora. Mas, quando os raios fulminavam arvoredos e 
desenhavam na tela do céu serpentes de luz ameaçadoras e a chuva caía forte, 
rompendo diques e inundando estradas, ninguém conseguia segurar o menino Jesus mais 
tempo sob o abrigo do lar. Rápido, ele escapulia e se punha longe, fora do alcance dos 
seus, a pular debaixo da chuva copiosa, cabelos escorridos e grudados nas faces, 
enquanto, como quem recebe um presente, aparava a linfa do céu na concha das mãos. 
Saltava dentro das poças de lama e chapinhava na água, conseguindo, por vezes, atrair 
algum companheiro mais corajoso, que o acompanhava na sua festa aquática. Outros 
meninos, detrás das janelas rústicas, olhavam-no rindo do imprevisto do brinquedo, até 
que os irmãos mais velhos vinham buscá-lo de qualquer modo, mas não resistindo ao 
contágio das suas risadas gostosas. 

Às vezes, sua silhueta recortava-se nítida sob a luz incandescente dos relâmpados. 

Então, erguia os braços e cantarolava alegre, como se quisesse abraçar os relâmpagos 
e trazê-los em feixe para casa. Os coriscos caíam sobre o topo das colinas e lascavam a 
copa dos arvoredos. Às vezes, desciam pela encosta empedrada e desapareciam 
perfurando o solo. Os gritos jubilosos de Jesus confundiam-se com os brados de Tiago e 
Eleazar, seu tio e irmão, que o chamavam desesperadamente. Embora fosse motivo de 
crítica por parte dos vizinhos despeitados, era impagável aquele aspecto inusitado do 
menino Jesus, tão eufórico debaixo da água torrencial, assim como a ave feliz entreabre 
suas asas gozando a linfa criadora descida dos céus. 

Era um anjo destemeroso, certo de que a Natureza, mesmo enraivecida, não 

poderia fazer-lhe qualquer mal. Sabia que mediante aquela tempestade ruidosa de 
trovões e raios ameaçadores, o Espírito Arcangélico da Vida processava a limpeza da 
atmosfera, recompunha o plasma criador, carbonizava detritos perigosos, sensibilizava o 
campo magnético do duplo etérico da própria Terra e procedia à higiene fluídica no 
perispírito dos homens. 

Os seus contemporâneos não podiam compreender o desafogo espiritual do menino 

Jesus diante da violência da Natureza pejada de água, raios e trovões, que amainava-
lhe o potencial sidéreo atuante no seu cérebro tão frágil. Eram reações emotivas 
brotadas de uma alegria sã e inofensiva; um estado de espírito de absoluta confiança 
nos fenômenos grandiosos da própria Vida. Entregava-se à força desabrida da tormenta, 
buscando a compensação terapêutica psíquica, em que, sob a lei de que os 
“semelhantes curam os semelhantes”, o magnetismo eletrificado da atmosfera ajustava-
lhe a mente superexcitada. O seu riso explodia cristalino na atmosfera densa e lavada 
pela chuva. Até o coro dos batráquios e o pio triste das aves encharcadas pareciam 
participar do quadro surpreendente, em que ele era o tema fundamental. 
Indubitavelmente, todas as crianças sentem-se alegres e buscam a água como um 
imperativo gostoso à sua própria natureza humana. No entanto, o menino Jesus 
exorbitava de toda e qualquer contemporização no caso, pois se entregava 
incondicionalmente à hostilidade da Natureza endurecida, vendo nela uma vibrante 
manifestação da própria vida em sublime oferenda à Divindade. 

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