seu corpo aos perigos do meio agressivo do mundo, enquanto se deixava ficar absorto,
em sua meditação espiritual, horas dentro da noite.
Por diversas vezes, Maria o encontrou curvado sobre a serpente enrodilhada na
moita de capim, ou então afagando o filhote da fera, a qual, em vez de ameaçadora,
mostrava-se eufórica sob tal carinho. A serpente, cuja crendice diz que não morde a
mulher gestante nem agride a mãe de bons propósitos, ou mesmo a leoa ciumenta dos
filhos, não se mostravam agressivas ante a presença daquele garoto transbordante de
ternura por todos os seres. Assim como o lobo selvagem também se transforma em um
cão dócil e inofensivo, quando o tratam com meiguice e desvelo, Jesus envolvia os
animais ferozes e os répteis venenosos em sua aura de tanta meiguice e amor, que eles
se quedavam tranqüilos.
Evidentemente, isso exigia a atenção constante dos seus amigos siderais e não
poucas vezes a “voz oculta” de Gabriel advertiu-o para que não se expusesse tanto no
cenário perigoso do mundo físico. Mas, quem poderia modificar a índole de um anjo que
jamais temia a morte?
PERGUNTA: — Quais outros detalhes que ainda nos podeis oferecer sobre a vida
do menino Jesus, pois tem sido tão contraditória a narrativa de sua infância?
RAMATÍS: — A fim de poderdes avaliar o verdadeiro temperamento, as virtudes e
os contrastes do menino Jesus com os demais garotos de sua época, dar-vos-emos um
quadro de algumas minúcias de sua vida, e que servirá para o mais claro entendimento
de vossa pergunta. Em resumo: era um menino que jamais guardava ressentimento de
alguém, mostrando-se absolutamente imune às ofensas e aos insultos alheios. Imparcial
e sincero em suas amizades, ele não diferenciava nenhum companheiro, por mais
deserdado ou subversivo; não traía, não intrigava, não zombava nem humilhava.
Ninguém o viu usar qualquer meio para ferir um pássaro, destruir um réptil, inseto ou
batráquio. Curvava-se para o solo e colhia o verme repelente na folha do vegetal,
pondo-o fora do alcance das pisaduras humanas. Sob o espanto dos próprios adultos,
ele deliciava-se com as carreiras de formigas supercarregadas de partículas de
alimentos ou folhas tenras; com os retalhos de madeira da carpintaria de José, construía
túneis para livrá-las de serem esmagadas pelas criaturas que ali cruzassem os
caminhos. Muitas vezes, perdia longo tempo tentando repor no lombo das formigas a
carga que lhe fora desalojada ou lhes trazia restos de cereais só para vê-las carregarem.
Os meninos da vizinhança, rudes e daninhos, então contavam a seus pais as
esquisitices do filho de Maria, provocando deles o conceito de que “esse menino não é
bem certo da cabeça”.
Certas vezes, Maria e José mortificavam-se dolorosamente, ao encontrar Jesus
conversando animadamente com as aves e os animais, que, em verdade, pareciam
entendê-lo. Advertia, censurava e aconselhava patos, cães, marrecos, galinhas,
cordeiros e cabritos, apontando-lhes as imprudências e os perigos do mundo. Enxotava-
os para longe nos dias de matança, pois jamais alguém pôde matar qualquer ave ou
animal na sua presença, cujo espetáculo doloroso o deixava febril e o fazia fugir do
lugar. Qualquer ave ferida ou cão maltratado recebia dele o máximo carinho e
tratamento; e um júbilo intenso, uma alegria sem limite tomava-lhe o rosto radioso,
quando os seus “doentes” se punham a voar ou a caminhar. Batia palmas, satisfeito, de
euforia espiritual, enquanto, às vezes, o sarcasmo dos perversos lhe feriam os ouvidos
desapiedadamente. Curtiu noites de insônia, depois que viu, estarrecido, os bois
tombarem um atrás do outro com a goela vomitando sangue e feridos mortalmente pela
lança dos magarefes. Mesmo depois de adulto, ele custava a se dominar diante dos
quadros lúgubres do Templo de Jerusalém, onde os sacerdotes oficiavam a Jeová
respingados pelo sangue dos animais e das aves inocentes.
Jamais podia compreender sua culpa, quando ouvia severas admoestações de José
e os apelos insistentes de Maria, para que não arriscasse sua vida preciosa nos
arvoredos envelhecidos, onde subia, afoito, para proteger os ninhos perigosamente
pensos dos galhos rotos. Mas eram inúteis tais censuras ou conselhos; em breve,
tornavam a encontrá-lo novamente trepado nos galhos das árvores e entre os pássaros,
que em vôos efusivos pareciam aliar-se ao seu riso cristalino, gratos pelo carinho
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