vida. Em seguida, ordenou a um soldado que fosse dar ciência ao centurião Quinto 
Cornélio da morte de um dos crucificados. Findara-se, entre todos, o angustioso temor 
de o Amado Mestre apodrecer vivo na cruz ou ser devorado pelas aves de rapina. 
Graças à sua natureza delicada e ao enfraquecimento vital produzido pela exsudação 
sangüínea no Horto das Oliveiras, ele sucumbira em menos de três horas pelo 
rompimento benfazejo da aorta, dando-lhe a desejada libertação na cruz. 

Alguns minutos depois o céu então se abria em cataratas de chuva torrencial, sob o 

fragor dos trovões assustadores, do vento furioso e dos raios fulgurantes, desgalhando 
árvores, abrindo sulcos na terra ressequida, desmontando telheiros, ruindo túmulos à flor 
do solo, arrasando granjas e manjedouras, rompendo diques, extravasando rios, 
estraçalhando pontes, derribando muros, desmontando ruínas e abarrotando o chão das 
herdades com milhares de frutos maduros. As cruzes oscilavam ameaçando tombar 
devido ao amolecimento da reduzida massa de terra que cobria o cimo rochoso do 
monte da caveira, onde se dera a crucificação. Os soldados calçavam-nas com pedras e 
paus no meio da água que se juntava nas bases vacilantes. Os dois ladrões crucificados 
moviam-se reanimados pela preciosa linfa que lhes escorria através dos cabelos 
empapados, na avidez animal de sobreviverem. Malgrado a insistência dos soldados 
para que todos abandonassem o local, pois ali nada mais tinham a fazer com a morte de 
Jesus, os seus amigos e discípulos permaneceram encharcados até os ossos e 
enlameados até os tornozelos. Maria, abraçada à trave inferior da cruz, beijava o dorso 
dos pés do amado filho; Madalena soluçava prostrada de bruços no solo lamacento; e 
Tiago, de braços cruzados, não desfitava os olhos do semblante imóvel e pálido do seu 
adorado Amigo, sentindo-se venturoso de vê-lo livre daquele suplício infernal. Pedro 
revelava um espanto tão doloroso na sua face, que ainda parecia duvidar daquele 
acontecimento tão trágico. João, de olhos entrecerrados, tinha a mão direita crispada 
sobre o coração e a esquerda pousada na testa inclinada. Temia despertar do seu 
mundo fantasioso e defrontar o pesadelo mais atroz de sua vida. Os demais enchiam o 
ar de lamentos e prantos tão próprios da raça hebréia, erguendo os braços aos céus, em 
tormentosa súplica e cruciante desespero. 

Finalmente, ao anoitecer, José de Arimatéia e Nicodemus haviam conseguido de 

Pilatos a autorização para descer-lhe o corpo da cruz, o qual estranhou a morte tão 
rápida de Jesus. Depois de embalsamado com aromas, sais da tradição hebraica e 
envolto em lençóis limpos, o corpo do Amado Mestre foi colocado num sepulcro novo, 
cavado na rocha viva de um horto adjacente, até lhe ser destinada mais tarde a moradia 
adequada, pois sendo o sábado o “dia da preparação” da Páscoa dos judeus, não se 
deveria cuidar de cerimônias fúnebres. 

A tempestade havia amainado e a água da chuva escorria pelas fendas rochosas e 

enlameadas do Gólgota. Momentos depois, o grupo de criaturas pesarosas se punha a 
caminho entoando um canto triste e pungente, o mais profundo lamento da alma 
atormentada, onde a saudade, o remorso, a angústia e o desalento lavravam como o fogo 
queimando as carnes tenras. Era a procissão lamentosa de homens e mulheres lavados 
pela chuva e manchados pela lama, que seguiam pranteando a perda do Sublime Amigo 
Jesus, o homem justo, inocente, heróico e leal, que sucumbira para deixá-los viver. Quando 
desapareceram no sopé da colina rochosa em direção à cidade, deixando nas asas do 
vento fatigado os sons melancólicos dos mais acerbos queixumes, ainda se podia ver no 
cimo do Gólgota a silhueta das três cruzes, que Jesus havia entrevisto mediunicamente, 
durante a sua agonia espiritual no Horto das Oliveiras e na véspera de sua morte. 
       No entanto, a cruz no centro estava vazia, porque já se havia cumprido o sacrifício 
do Salvador. Daquele momento em diante, ela deixava de ser o instrumento de castigo 
infamante do homem, para se tornar o caminho abençoado da libertação espiritual da 
humanidade. Jesus, o Messias, havia triunfado sobre as Trevas, nutrindo a Luz do 
mundo através do combustível sacrificial do seu próprio sangue! 

 
 
 
 

231