servos, escravos e criados hebreus da corte de Pilatos?
RAMATÍS: — Era quase meio-dia; o Sol ia alto e o dia estava abafadiço prometendo
chuvas torrenciais para a tarde, quando Jesus foi custodiado por um grupo de soldados
romanos, iniciando a sua trágica jornada a caminho do Calvário, saindo pela porta de
Damasco. O povo aglomerava-se junto do portão e dos muros da prisão, quando Jesus
apareceu, Maria de Magdala, Salomé, Joana, Sara, Maria e outras mulheres
precipitaram-se para abraçá-lo, mas foram impedidas com rudeza pelos soldados. Então
ajoelharam-se, soluçando, sob as mais pungentes lamentações e clamando por Deus,
enquanto o Amado Mestre lhes volvia um olhar compassivo e resignado. A rua se fazia
cada vez mais íngreme e ele estava palidíssimo; tinha as mãos atadas e dava mostras
visíveis de cansaço e dores físicas. À sua retaguarda, dois servos seguiam-lhe os
passos carregando o pesado tronco de árvore, que depois lhe serviria para o suplício da
cruz. A procissão seguia sob a indiferença dos soldados, bastante habituados àquelas
cenas e aos lamentos dolorosos de parentes, amigos e simpatizantes dos condenados,
que tanto suplicavam a libertação do prisioneiro como ofereciam toda sorte de valores
para que assim o fizessem.
Aliás, os soldados cumpriam ordens superiores dentro da rotina peculiar daquelas
execuções, sem qualquer iniciativa pessoal de agravar ou amenizar o sofrimento dos
condenados. Mas, em dado momento, o chefe da patrulha romana atendeu à súplica
das mulheres e consentiu que elas socorressem Jesus. Sem perda de tempo e dispondo
apenas de alguns segundos, Verônica enxugou-lhe o rosto e Joana deu-lhe água fresca
de um cântaro pequeno. Logo em seguida, puseram-se outra vez em marcha. O trajeto
da porta de Damasco até o cimo do Calvário foi percorrido em 16 minutos, pois as
execuções se cumpriam fora dos muros da cidade. Jesus mal podia respirar; o seu
corpo tremia sob a temperatura febril e o suor empapava-lhe o rosto, vertendo sob as
vestes amarfanhadas e manchadas de sangue da flagelação. Os encarregados da
crucificação tinham pressa, pois o sol do meio-dia crestava as carnes de todos. Sob o
rochedo de forma cônica, cujo aspecto se parecia realmente com uma caveira encimada
por tufos de capim e arbustos reduzidos, a multidão espalhou-se e se dividiu em grupos.
Aqui, os curiosos ou sádicos animados pelo espetáculo tenebroso; ali, parentes,
discípulos e amigos oravam sob mortificante desespero; acolá, divertiam-se os infelizes
escarnecedores de todos os tempos, que tripudiam vilmente até sobre o martírio dos
justos. Alguns, mais sensíveis e confiantes, oravam fervorosamente, certos de que o céu
não tardaria em se abrir despejando legiões de anjos para arrasar os soldados e libertar
a Judéia do jugo dos romanos, conforme anunciava a profecia do Velho Testamento no
advento do Messias.
Então se deu o terrível e doloroso suspense para todos. Amigos e discípulos de
Jesus estremeceram e as mulheres caíam de joelhos em terra, sob cruciante oração,
enquanto dois ajudantes despiram Jesus deixando-lhes apenas um pano em torno dos
rins. Outro lhe oferecia um caneco de vinho com mirra, que servia de bebida
anestesiante para os condenados suportarem os primeiros momentos atrozes da
crucificação. Quase sempre isso provinha da iniciativa de um grupo de mulheres
piedosas, que se reuniam e se cotizavam para amenizar o cruel sofrimento dos
crucificados. Jesus mal tocou a bebida com os lábios e recusou-a, pois queria sofrer o
martírio em perfeita lucidez de espírito e não se entorpecer na sua comunhão espiritual
com o Senhor. Estava convicto de que sua obra redentora pedia tal sacrifício para o bem
da própria humanidade e, por isso, queria estar consciente do seu próprio holocausto.
Em seguida, deitaram-no sobre a cruz, pregaram-lhe as mãos na trave superior
horizontal e os pés num apoio de madeira da trave vertical, enquanto outro carrasco
também fixava um pedaço de madeira entre as suas pernas, aliviando-lhe o peso do
corpo para não rasgar-lhe as mãos. Depois ergueram a cruz com o seu corpo já pregado
e a colocaram na abertura do solo, ficando os pés à altura de uma jarda do chão. Outros
dois condenados também foram crucificados em torno de Jesus, os quais se
lamentavam sob os mais lúgubres gemidos na sua dor lancinante, porém, não lhe
dirigiram a palavra conforme consta nos evangelhos.
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Lucas, 23:35-43.
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