os espíritos, os fundamentos da sua doutrina de libertação da humanidade e o 
verdadeiro sentido do Reino de Deus, que ficava acima dos interesses e das 
contingências humanas. Desconhecia os motivos por que Pilatos o tratava com certa 
deferência, em vez de mandá-lo de imediato ao juízo comum, onde já teria sido 
sentenciado dezenas de vezes, tal a prodigalidade de provas e testemunhos fornecidos 
pelo Sinédrio. 

Pôncio Pilatos compreenderia as suas esperanças e os seus ideais messiânicos, 

talvez o libertasse para poder continuar a sua obra de salvação humana. Mas Jesus, 
subitamente, envolvido por estranha vibração que o penetrou por todos os poros do 
corpo e lhe avivara os sentidos, tomado de surpreendente lucidez de espírito, reviveu os 
quadros já vividos no Horto das Oliveiras, quase sentindo o próprio sangue a gotejar das 
mãos e dos pés sangrando no martírio da cruz. Então fechou os olhos, clareando-se o 
entendimento de sua alma, pois ainda reviu, nessa ideoplastia mediúnica, que a 
humanidade lhe daria as costas, num gesto de desconfiança, se ficasse liberto dos 
grilhões dos hebreus e romanos. Mas aquele fugaz minuto de vacilação foi vencido, ao 
compreender que a sobrevivência do seu Evangelho dependeria do holocausto de sua 
vida carnal. Cortesmente e em palavras recortadas de ternura, mas de implacável 
decisão, Jesus respondeu a Pilatos, que o fitava com certa preocupação, sentindo-se 
impelido por um sentimento de simpatia: 

— Nada tenho a defender-me das acusações dos homens, pois eu cumpro a 

vontade de meu Pai que está nos céus! A morte será para mim a coroa de glórias e a 
salvação de minha obra para a redenção dos homens! 

Pilatos franziu a testa, profundamente surpreendido e, movido por um impulso 

sincero, assim se expressou: 

— Mas eu posso salvar-te a vida, se isso me aprouver! Que pretendes, enfim? 
— Recusar a vida que me ofereces, pois isso seria deserção e covardia. Só a minha 

morte não desmentirá aquilo que o Senhor transmitiu por mim aos homens! 

Levantou-se o Procônsul e pôs-se a caminhar movido pelos mais estranhos 

pensamentos. Contrariando o que narra a história religiosa, jamais Pôncio Pilatos tentou 
salvar Jesus por questão de simpatia ou mesmo de piedade, sentimentos esses que não 
se afinavam com o seu caráter curtido pelas ambições e manhas da política de Roma. O 
que lhe importava era apenas o prazer de uma desforra contra Hanan, Caifás e seus 
sequazes, por saber que estavam em jogo os mais avançados interesses do Clero 
Judeu. No entanto, com a recusa de Jesus à sua clemência e ao indulto oferecidos, o 
que lhe podia ser facultado antes de qualquer sentença do juízo comum ali reunido, a 
poucos passos, sentia-se inclinado a desistir da porfia contra o Sumo Sacerdote de 
Jerusalém. 

Novamente fitou Jesus, com um olhar em que transparecia certo despeito. E assim 

indagou, algo ríspido: 

— Como te atreves a recusar meu indulto? 
— Não intentes salvar-me! — redarguiu Jesus delicadamente. — Jamais seríeis 

perdoado pela ira dos que me condenaram. 

Pôncio Pilatos ficou corado, ao verificar que o próprio acusado parecia saber de 

suas hesitações em afrontar os sacerdotes do Sinédrio. 

— Julgas que eu temo esses sacripantas do Templo? — inquiriu num assomo de 

altivez. 

— Sou grato pela vossa clemência e sei que não temeis os vossos cativos, mas eu 

preciso morrer por força de minha obra, só assim ela viverá! — respondeu Jesus com tal 
doçura que desarmou a ira de Pilatos, fazendo-o responder: 

— Eu não te entendo, galileu! 
Mas, de súbito, Pôncio Pilatos começou a perceber quão importante deveria ser a 

morte de Jesus para Caifás e seus sequazes e também a gravidade de sua decisão 
naquele momento. Aliás, havia alguns dias ele vinha sendo presenteado com os mais 
apetitosos faisões, frutos das mais finas qualidades, vinhos de Chipre, que tanto 
apreciava e iguarias raras. O inimigo, antes de agir junto a Tibério, acenava-lhe com as 
boas graças. Ademais, sabia-se em toda Jerusalém que naquela semana havia seguido 
um valioso carregamento de objetos, jóias e adereços raros para Tibério, sua esposa e 

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