Mas a corte de juízes não se mostrava muito interessada em julgar aquele homem 

pálido, febril e cambaleante, que fizeram sentar no banco dos réus e o faziam levantar, 
cada vez que lhe dirigiam a palavra. A noite estava sufocante e aqueles juízes haviam 
deixado o aconchego do seu lar para atender à convocação de “emergência” do Sumo 
Sacerdote, cujo poder e prestígio não convinha enfrentar. O Sumo Sacerdote Caifás, 
ostentando pomposamente as vestes sacerdotais, próprias das altas funções que ali 
ocupava, sentava-se no centro do espaço semicircular, para o qual convergiam ambas 
as bancadas dos juízes. Sob o traje de seda azul-claro, via-se a túnica do mais puro 
linho branco, cingida à cintura por um cinto de cor vermelho-escarlate e ornamentada 
por botões resplandecentes de pedra de ônix. Um vistoso turbante, também azul, 
encimava-lhe a cabeça, cujos bordados eram finamente trabalhados a fios de ouro; no 
peito fulguravam 12 pedras preciosas, símbolo tradicional do poder e da glória das 12 
tribos de Israel. Finalmente, todo esse traje esplendoroso e rico de cores e adereços, 
completava-se por um par de sandálias de um vermelho-púrpura, onde se viam 
bordados com fios delicados de prata, que lhe corriam no peito do pé aos calcanhares. 

Estava cercado por 13 juízes de cada lado, os que deviam julgar; mais além, 

sentavam-se alguns discípulos dos Conselheiros, que também se versavam no 
conhecimento da Lei e aprendiam retórica, muito atentos às palavras e às opiniões dos 
maiorais. Abaixo, quase à frente do Sumo Sacerdote, sentavam-se os escreventes da 
corte; o da esquerda devia anotar todos os testemunhos contra o acusado e o da direita, 
para assentar o que lhe fosse favorável. 

O acusado tinha o direito de se defender por suas próprias palavras; e, se não o 

fazia, era nomeado um defensor 

ad hoc

, que o próprio acusado podia aceitar ou recusar 

até que lhe fosse do agrado. No decorrer do julgamento, os juízes trocavam idéias, 
discutiam as fases do processo, buscavam opiniões e procuravam conclusões sólidas, 
lógicas, dignas e benevolentes; pediam aos escribas para lerem as acusações e as 
defesas. Examinavam e reexaminavam provas, testemunhos e argumentos e, quando 
ainda havia dúvidas, não se procedia a votação. 

PERGUNTA: — Como decorreu o julgamento de Jesus, que dizeis muito diferente do 

que nos relatam os evangelhos? 

RAMATÍS: — Jesus não estava atado e lhe haviam oferecido um banco tosco, 

próprio de qualquer acusado por Lei. O suor escorria-lhe pela barba e sofria 
terrivelmente o efeito do profundo desgaste ocorrido no Jardim de Getsêmani, durante o 
transe mediúnico e a pródiga vertência de sangue. Febril e exausto, ele orava ao Pai 
rogando-lhe a graça de apressar aquele cerimonial da justiça humana para julgá-lo, pois 
bem sabia que ninguém tentaria absolvê-lo em face do acúmulo de provas contra si. 

Seguindo o decoro exigido para aquele Tribunal, o Sumo Sacerdote, em voz oleosa 

e depois de ter dardejado felino olhar a Jesus, deu início ao julgamento, no qual era 
expressamente proibido se iniciar com qualquer acusação ao réu, pois tudo deveria ser 
feito na forma de inquirição tolerante e esclarecedora. Como era de praxe, o acusado 
devia ser primeiramente favorecido com a opinião formal de qualquer um dos juízes 
presentes. Então, Caifás exclamou: 

— Que se argumente em favor do acusado! 
Satisfeito, reconheceu que Jesus seria julgado com a máxima indiferença, pois fizera 

o propósito de reunir a pequena corte àquela hora, para julgar um caso que bem poderia 
ser enquadrado como infração civil e ser então da alçada do tribunal ordinário e não 
religioso. Percebia a ansiedade dos juízes em terminar o mais breve possível a tediosa 
reunião. Isso lhe daria o excelente ensejo de pouca argumentação na autópsia jurídica do 
caso e maior positividade de culpa pelo efeito material das provas. Após alguns 
momentos de silêncio, um dos juízes anciãos formulou a sua opinião favorável ao 
acusado, como era de praxe, dizendo numa voz quase alheia ao motivo daquele tribunal: 

— Declaro que a aparência, o estado físico e a angústia do acusado recomendam a 

este tribunal o mais alto princípio de comiseração e benevolência. O acusado não se 
revela o sarcasta, o cínico ou orgulhoso, mas treme febril à frente deste juízo sagrado. 
Indulgência! — Rogo indulgência no julgamento! 

Caifás mordeu os lábios, algo despeitado, mas depois verificou que o juiz autor da 

proposição recolhia-se a si mesmo, como se já estivesse a cochilar. Percorreu a 

214