Sacerdote, que temia a reação pública da multidão, que muito o estimava.
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Ademais,
todos os membros componentes da pequena corte do Sinédrio haviam sido substituídos
e acrescidos os suplentes jovens, juízes da simpatia de Caifás, que assim eliminava
quaisquer adesões a Jesus, na probabilidade do seu julgamento. O velho Hanan e
Caifás, seu genro, dispunham de farta messe de provas contra ele, colhidas dos falsos
testemunhos comprados a peso de ouro e fruto das delações obtidas sob terríveis
ameaças. Jesus devia afastar-se de Jerusalém o mais rápido possível, pois apesar da
lisura e do decoro dos juízes do Sinédrio, o julgamento seria efetuado sob a influência
matreira e aguçada da família de Caifás. Ninguém, mais poderia salvar o rabi da
Galiléia, a não ser o Sumo Sacerdote, coisa impossível, pois este desejava-lhe a morte a
qualquer preço. Fontes oficiais haviam informado que Pôncio Pilatos já estava se
convencendo de que o fracassado movimento sedicioso dos galileus teria sido contra as
autoridades romanas.
Jesus ouviu as trágicas notícias de José e Nicodemus, ambos juízes íntegros do
Sinédrio, que lamentavam a impossibilidade de votar, e agradeceu pelo seu afetuoso
interesse. Sem demonstrar qualquer pesar ou ressentimento por aqueles que o queriam
matar, exclamou numa voz terna e de compreensivo perdão:
— “Obrigado, amigos meus! Não temo a morte, nem como ela me venha, porque
vejo que passarão os homens, mas as minhas palavras permanecerão. É preciso que o
filho do homem dê o sangue pela salvação do próprio homem; que a submissão à morte
seja o preço e a força da própria vida, pois a luz do Espírito ilumina a sombra do corpo.
Minha hora é chegada pela vontade do Pai que está nos céus, mas não se fará pela
obstinação dos homens!”
Súbito, cerrou de falar, como se ouvisse algo do imponderável. Nicodemus e José
de Arimatéia baixaram os olhos para o solo ante aquele silêncio respeitoso. Em seguida,
numa decisão em que não pôde esconder a dor pungente da despedida, Jesus
arrematou:
— “Ainda que vos separeis de mim pela carne, eu permanecerei convosco em
espírito, porque o templo do Senhor estará por toda a Terra e o seu altar em todos os
corações. Quando qualquer um de vós me buscar, eu ali, estarei, porque eu vou em nome
de meu Pai e em Seu nome eu voltarei.”
Aconchegaram-se ao portão da granja, enquanto os demais apóstolos ficavam à
distância, e ali se abraçaram na mais terna despedida entre corações amigos.
PERGUNTA: — Qual é a realidade dos “momentos aflitivos” de Jesus, no Horto das
Oliveiras, segundo os relatos dos evangelistas?
RAMATÍS: — Quando Jesus foi crucificado, a sua auréola messiânica quase
apagou-se, pois naqueles dias trágicos sumiram-se parentes, amigos e discípulos, ante
o terror de serem crucificados. Mas, à medida que foram decorrendo os dias, a figura do
Mestre Amado foi-se avultando, emergindo do seu martírio, assim como a planta
renasce das próprias raízes depois de cortada. Em breve, sua vida e sua morte eram
motivos que centralizavam os sonhos de seus adeptos e amigos, fazendo-os cultuar-lhe
a memória consagrada pelas bênçãos dos seus ensinos e fidelidade de suas idéias. Os
compiladores dos evangelhos, segundo os apóstolos, então cercaram-lhe a
personalidade de reformador moral e religioso, de fatos e acontecimentos
melodramáticos, além dos prodígios para adaptarem sua vida às predições exaltadas do
Velho Testamento. Reviram-lhe a vida e o que era singelo se tornou altiloqüente; o
natural, humano e lógico transformou-se em cenas milagreiras, divinas e insensatas.
Acrescentaram à vida de Jesus tanto os sentimentalismos humanos infantis, como as
suas concepções fantasistas e a crença no miraculoso. Criaram o mito e eliminaram o
homem; fizeram um Deus e o distanciaram da humanidade.
No Horto das Oliveiras, o Mestre Amado realmente viveu os seus últimos instantes
de liberdade física no mundo e as angústias de um espírito que se elegia para o
holocausto em favor do gênero humano, mas ainda temia não poder cumpri-lo de modo
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“E quando procuravam prendê-lo, tiveram medo do povo, porque este o tinha na estimação de um profeta”
(Mateus, 21:46).
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