deixando a convicção íntima e benfeitora da “lavagem dos pecados” e conseqüente
renovação do espírito para o futuro. Aquele que se julga realmente purificado de seus
pecados, depois vive de modo a não se manchar tão facilmente. Mais tarde, João
Batista também organizou a cerimônia do “lava-pés”, que simbolizava um evento
fraterno e humilde, como um sentido de igualdade ou denominador comum entre todos
os discípulos e o próprio Mestre. O “lava-pés” era a cerimônia que eliminava a condição
social, o poder político, a superioridade intelectual ou a diferença entre os adeptos e o
Mestre, atuantes sob a mesma bandeira espiritual. No momento simbólico do “lava-pés”
o senhor seria o irmão do servo e também o serviria, porque ambos eram herdeiros dos
mesmos bens do mundo.
Jesus, humilde e tolerante, aceitou ambas as cerimônias com todo o enlevo de sua
alma e deixou-se batizar pelo Batista, no rio Jordão. Mais tarde, e já no limiar da grande
ceia, ele também deu forma à cerimônia tradicional do “lava-pés” entre os seus próprios
discípulos, como um ensejo simbólico que deveria evocar os elos de amizade já
existentes entre todos. Mas os seus fiéis amigos ficaram bastante preocupados com o
fato de Jesus antecipar a cerimônia tradicional do “lava-pés” para a quarta-feira, a qual
deveria ser feita comumente na sexta-feira da semana da Páscoa.
Mas a verdade é que o Mestre Jesus não guardava dúvidas quanto à sua situação
cada vez mais desfavorável perante o Sinédrio e às autoridades romanas, pois algo lhe
dizia que seria sacrificado antes do domingo de Páscoa. Deste modo, ele decidiu-se a
proceder a cerimônia do “lava-pés” na quarta-feira, após a grande ceia, em vez de
esperar a sexta-feira tradicional, pois seria a sua última demonstração de confiança no
Pai. Depois de ter enxugado os pés dos seus discípulos, auxiliado por Tiago, Jesus
ergueu-se e alçou a voz, exortando-os para que prosseguissem corajosamente na
divulgação da “Boa-Nova” e do “Reino de Deus”, e jamais se conturbassem mesmo
diante da morte. Relembrou-lhes os motivos fundamentais de sua amizade e união
espiritual, revivendo os ensinamentos de libertação do Evangelho, enquanto
recomendava o amor incondicional, o auxílio à pobreza, o perdão aos algozes, o afeto
aos delinqüentes e a compreensão fraterna às mulheres infelizes. Salientou a força do
espírito eterno sobre a carne perecível; exortou para que os seus fiéis amigos jamais
tisnassem a beleza do Cristianismo fazendo conluios com os poderes organizados do
mundo de César. A mensagem cristã deveria ser divulgada tão pura quanto os lírios dos
vales, pois de nada valiam as honras do mundo material ante a vida imortal. Encheu-os
de esperanças novas pela breve chegada do “Reino de Deus” e incentivou-os para uma
vida heróica em sintonia com os princípios mais elevados da redenção e libertação da
humanidade.
Ante a dor, o espanto e a consternação de seus discípulos, que lhe bebiam as
palavras repassadas de melancolia e pesar, Jesus voltou-se para Pedro, cujas faces
estavam marcadas de profunda angústia e disse-lhe, de modo eloqüente e profético:
‘Pedro, doravante tu serás um pescador de homens, e não de peixes! Sobre tua fé e
sinceridade eu fundamento a minha Igreja! Seja-te o dom do bom falar, do bom ouvir e
do bom agir para o serviço do Senhor!”
Pedro caiu de joelhos, os olhos marejados de lágrimas perante o Mestre Amado,
enquanto os demais apóstolos mal podiam esconder sua comoção. Judas, no entanto,
estava cabisbaixo e roído de ciúmes, incapaz de esmagar o orgulho e o amor próprio
feridos ante qualquer distinção ou preferência no colégio apostólico.
Jesus encerrou a cerimônia tocante do “lava-pés”, e achegando-se a João,
enternecido, fez-lhe amena rogativa:
— João! Minha mãe é tua mãe, porque somos irmãos perante o Senhor! Na minha
falta, sê tu o seu filho!
Em seguida, fez menção de sair, enquanto Pedro e João apressaram-se a
acompanhá-lo; da porta, voltou-se, dizendo a todos ainda sob profunda emoção
espiritual:
— Vós sois meus apóstolos; pregai a palavra do Senhor e anuncia a Boa-Nova do
Reino dos Céus sobre a Terra. A vontade do Pai se manifesta em mim e devo cumpri-la,
porque a hora do meu testemunho é chegada!
Ante a emoção dolorosa que anuviou o coração de todos os discípulos, pela
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