paupérrimo lar operário e participando de árduo serviço doméstico, sem a possibilidade
de cultura que muitos precursores haviam recebido nos palácios afortunados, sente essa
mesma Verdade Espiritual desde a infância, vive-a integralmente até o sacrifício na cruz.
Embora oriundo de altas esferas angélicas, nem por isso o instinto natural do sexo
humano deixou de acicatar o corpo jovem de Jesus, assim como a planta selvagem insiste
e tenta dominar, com sua força agressiva, o enxerto da muda superior. No entanto, ele
matou o desejo carnal e venceu o próprio “Maya”, a Ilusão da vida humana, que Buda só
fez aos vinte e nove anos, depois de desiludido dos prazeres do mundo e impressionado
pelas chagas e mazelas do seu povo. Jesus, no entanto, foi casto durante toda sua vida,
pois viveu uma só emoção, acalentou um só pensamento e teve um só desejo: a felicidade
do próximo! Buda, embora fosse também um excelso e genial instrutor espiritual,
primeiramente contentou os desejos do corpo e os bens do mundo. O seu messianismo, na
verdade, iniciou-se depois da saturação dos seus sentidos físicos. Jesus, no entanto,
subordinou toda sua existência ao ideal incessante de promover a felicidade dos homens.
Sem dúvida, não houve desdouro para Buda, pelo fato de ter casado e procriado e só
sentir-se desperto pelo fogo sagrado da vida espiritual depois que conheceu as dores e as
ilusões da vida humana. No entanto, ninguém jamais foi tão heróico, puro e honesto na
doação de sua vida ao próximo, como o fez Jesus.
Os iluminados que antecederam Jesus quase sempre foram de aspectos vigorosos
e tipos bem nutridos, que pregaram a sabedoria com certo otimismo espiritual, sem
muitas hostilizações do meio e dos homens, ao passo que o Mestre Galileu atravessou
sua época qual junco batido pelos ventos gélidos das ingratidões humanas. Ele era um
perfil delicado, tipo de anjo semifebril e angustiado no exílio terreno, a refletir em seu
olhar as dores do mundo, a ignorância, a hipocrisia e a maldade dos homens. Diz a
biografia de Buda que ele caiu em meditação e expirou tranqüilamente, depois de ter
dito: “A destruição é inerente ao todo composto; porém a Verdade durará
sempiternamente. Trabalhai com afinco por vossa libertação!” Jesus, no entanto, expirou
na cruz, entre dores e sofrimentos acerbos, mas reunindo suas forças derradeiras e
malgrado ser a vítima inocente da maldade humana no arremate de uma existência de
incondicional amor aos homens, expressou-se assim: “Pai! Perdoai-lhes, porque eles
não sabem o que fazem!”
Em verdade, ele carregou nos ombros o fardo das mazelas humanas, enquanto a
maioria dos gênios, sábios e santos tecia suas mensagens libertadoras no silêncio amigo
do lar, no refúgio da Natureza ou no ambiente inspirativo dos conventos e das instituições
fraternistas. Jesus gravou suas idéias e pensamentos ao vivo, dia a dia, minuto a minuto,
sob o sol ardente, sob a chuva copiosa ou na terra escaldante; junto aos mendigos,
prostitutas e publicanos; entre leprosos, chagados e loucos. Os pobres, os miseráveis e os
desesperançados foram a argamassa de sua edificação espiritual.
Indiscutivelmente, o Mestre Jesus foi o Espírito de maior quilate jamais pousado na
Terra, pois desde o seu nascer até morrer, ele viveu exclusivamente a idéia crística,
representativa da Verdade e da Vontade do Pai.
Jesus, tendo sido o sintetizador do ensino desses precursores, não veio, pois, criar
coisas novas ou destruir coisas velhas, mas simplesmente consolidar o velho e puro
ensinamento sempre latente na tradição religiosa dos templos. No próprio Sermão da
Montanha ele o confirma, lembrando que não viera destruir os profetas, mas confirmar o
que eles haviam dito. Isto quer dizer que seus ensinamentos devem ser aceitos
incondicionalmente, despidos de vícios, de distorções, de dogmas, de prescrições ou de
liturgias, pois representam uma libertação completa do modo de pensar e de viver.
É óbvio que tudo o que já haviam dito Manu, Antúlio, Numu, Orfeu, Hermes, Rama,
Zoroastro, Krishna, Buda, Fo-Hi, Lao-Tse, Confúcio, Moisés, Pitágoras, Platão, Sócrates
ou Maomé, ele o fez protestando veementemente contra os aparatos cerimoniais e o
exaustivo simbolismo, que sufocam a beleza pura do ensino doado pelo Alto. Seu olhar
espraiou-se pelo mundo e mergulhou no passado, verificando, com tristeza, que a
sementeira generosa do ensinamento divino era sempre asfixiada pelos homens com o
luxo nababesco dos santuários faustosos e dos sacerdotes que viviam da idolatria de
todos os tempos. O seu Evangelho está implicitamente exemplificado no seu modo de
amar e de viver. Aquele contínuo silêncio e o seu estoicismo ante a inutilidade de reagir
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