os bons sentimentos emergiam da alma, fazendo as criaturas esquecerem-se das
mágoas cotidianas e das vicissitudes comuns.
Nazaré, como um pedaço do céu entrevisto pela ponte levantada de uma cortina
sideral, não acicatava a ira, a decepção, a avidez, o egoísmo e a vaidade dos homens;
deixava-os satisfeitos e serenos, ante essa dádiva tão generosa da Natureza. Era uma
sugestão edênica incessante, que despertava nos galileus o espírito de hospedagem, a
afabilidade, a franqueza, a sinceridade, o serviço fraterno e o interesse para atender às
dores e às preocupações do próximo.
O céu claríssimo, com reflexos esmeraldinos sobre o azul celeste banhado pelo sol
rutilante, manchava de róseo-lilás e ouro luzente a crista dos montes rendilhados de
neve. Nazaré, sob essa fartura de luz e cores, parecia encantadora pomba pousada
entre a vegetação e as flores fascinantes, cujo ninho era formado pela concavidade das
montanhas serenas da Galiléia. No fundo dos quintais das residências judaicas, as
palmeiras agitavam os ramos verdes, fazendo acenos de amizade aos viandantes
recém-chegados. As palmeiras eram as árvores que faziam parte integrante da vida dos
judeus, sob cuja sombra eles consumiam a maior parte de sua existência. Ali
trabalhavam, bordavam, estudavam e faziam suas refeições, inclusive suas orações em
dias de festas e de graças.
Os judeus mais prósperos tinham bom gosto; apreciavam os jardins bem cultivados
e faziam disso um motivo de espairecimento espiritual. Em geral, os caminhos
ajardinados abriam-se entre os canteiros de papoulas sangüíneas, semelhantes a
braseiros de fogo vivo. Em seguida, vinham os tabuleiros de flores de todas as espécies.
Havia narcisos, jacintos azuis, íris roxos, cravos brancos, róseos e vermelhos. As rosas,
de todas as cores e formas, desabrochavam majestosas, vivendo muito tempo sob um
clima tão generoso. As trepadeiras, em cordões floridos, subiam pelos muros e delas
pendiam minúsculas campânulas de cor lilás, safirina e de um branco níveo e veludoso,
todo tarjado de azul-violáceo ou, então, balouçavam cachos de flores semelhantes a
brincos cor de rubi, delicados sinos miúdos, botões opalinos ou florinhas brancas como
chávenas de chá, que se agitavam sob a brisa refrescante, espargiam o seu pólen
dourado. Nazaré era um verdadeiro festival de cores, emoldurando o casario branco,
tecendo mantilhas rendilhadas sobre o fundo verde dos arbustos.
Já dissemos que os moradores de Nazaré não se preocupavam com os enfeites
artificiais e ornamentações exteriores nas casas e ruas. No entanto, isso não era
propriamente fruto de um descaso ou mau gosto, mas a culpa se devia à própria
paisagem local, cuja beleza natural substituía qualquer empreendimento humano. Os
galileus, enfim, desistiam de competir com essa natureza tão esplêndida e formosa,
certos de que não poderiam retratar, pelos enfeites rígidos da pedra impassível, o
encanto do cenário embebido de luz, a cor misteriosa das papoulas, dos cravos,
jacintos, narcisos e a brancura imaculada dos lírios, nem o odor fragrante dos
pessegueiros, das cerejeiras, dos limoeiros em flor. Jamais algum homem poderia copiar
o azul-violeta das colinas, o verde macio e doce das planícies e a fascinante serpente
prateada do Jordão bordejando tranqüilo entre musgos e arbustos.
A poesia atingia ali o seu mais alto nível de estesia espiritual. As planícies que se
estendiam depois da cidade beirando as encostas dos morros, animavam-se com o
mover das ovelhas pontilhando de manchas brancas o tapete verdejante. As lavadeiras
faziam bulício às margens dos regatos cristalinos e das fontes adormecidas sob as
árvores; a rouparia colorida dançava nos arames lembrando cortejos multicores. O riso
cristalino das crianças rolando, encosta abaixo, entre divertidos brinquedos com os
cabritos saltitantes, misturava-se ao cântico dos jovens colhendo o mel ou moendo a
uva. Mesmo o cinturão de pó cor de tijolo das estradas, parecia um colchão macio onde
os burricos metiam os cascos. As abelhas e borboletas voavam em enxames rutilantes
sobre o fogaréu das papoulas vermelhas. Bandos de pássaros de todos os tipos faziam
revoadas rasteiras sobre os cinturões de margaridas que emergiam à beira dos lagos e
das fontes de água, onde os animais se dessedentavam. À sombra das árvores
copadas, os animais de pequeno porte descansavam num repouso feliz e os frutos
miúdos, como as amoras roxas e vermelhas, caíam-lhes no dorso, dando ensejo a que
algum pássaro mais ousado viesse buscá-los, quebrando-lhe a sonolência.
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