gente de Tiro, de Sidon, de Alexandria e alguns raros africanos. As características 
religiosas, os costumes e temperamentos tão contraditórios entre esses diversos tipos, 
tal qual já acontecia em toda a Palestina, também provocavam discórdias, rixas e 
discussões, próprias da avareza e avidez de lucros nas suas especulações e 
negociatas. Isso fazia da Galiléia um mundículo bulhento, cúpido e inquieto, cujos 
desentendimentos nasciam das coisas mais fúteis e pelas razões mais tolas. 

A freqüência de rabis, que peregrinavam comumente pela Judéia e demais 

províncias da Palestina, em que alguns se obstinavam em interpretar a seu modo as leis 
e os preceitos do Torá, concorria ainda mais para acirrar os ânimos e agravar as 
opiniões tão contraditórias sobre a religião. O afluxo contínuo de especuladores, 
charlatães, mercadores, camelôs e gente sem trabalho, que procuravam fixar-se na 
Judéia, sempre favorável para os bons negócios e especulações religiosas, também 
aumentava, dia a dia, as rixas, as discórdias e as injúrias, criando as situações mais 
incômodas e desagradáveis para as autoridades locais. 

Mas, acima desse espírito belicoso da diversidade de raças, os galileus eram 

hospedeiros, sinceros e bons, pois não guardavam ressentimento algum entre si. Nas 
suas contendas religiosas, embora ruidosas, jamais eles desciam à baixeza de espírito, 
ao fanatismo e às asperezas do caráter e das sedições religiosas tão comuns entre os 
fariseus e saduceus de Jerusalém. O Sinédrio zombava da devoção ingênua do povo da 
Galiléia, ria-se de sua simplicidade e de sua incapacidade para afeiçoar-se às pompas, 
ao culto ostensivo e às cerimônias religiosas. As virtudes dos galileus, que tanto 
emolduraram o trabalho de Jesus na fase iniciática de sua pregação da “Boa Nova”, 
eram consideradas peculiaridades próprias de um povo atrasado, tolo e incapaz. 

No entanto, já Isaías profetizara no Velho Testamento que a Galiléia dos gentios 

seria bafejada pela luz do Senhor, embora os pósteros depois glosassem o provérbio de 
que “não podia vir boa coisa e bom profeta da Galiléia”. 

 
PERGUNTA: — E que podereis dizer-nos sobre a província de Nazaré, onde Jesus 

viveu quase toda sua existência? 

RAMATÍS: — Nazaré, na época do advento de Jesus, era uma cidade pequena, 

com pouco mais de 2.000 habitantes, situada entre morros, numa encosta de montanhas 
que descia para o vale de Jezrael. As estradas que vinham de Séforis e outras partes, 
além da estrada principal das caravanas que cortava esse vale desde o mar Morto até 
Damasco, recortavam a província em todos os sentidos. O clima de Nazaré era 
acentuadamente saudável, embora bastante frio no inverno, descortinando ao viandante 
uma das mais belas paisagens de toda a Galiléia e, quiçá, do resto do mundo. Os 
campos cultivados com cevada, trigo e aveia, que manchavam a pradaria de um verde-
claro, cor de limão novo, cessavam junto à encosta dos montes Tabor e Gilbos, depois 
de formarem delicado tapete de vegetação recortado pelos fios de água cristalina dos 
regatos e dos rios. À distância, as colinas banhadas de luz solar limitavam o horizonte 
num tom azul, lilás e violeta, enfeitadas no cimo pelas coroas de neve do fim de inverno, 
completando a moldura do quadro vivo e fascinante da paisagem de Nazaré. 

As encostas dos morros eram pontilhadas de atalhos e estradas que subiam do vale 

de Jezrael e serpenteavam entre os tufos de capim, de musgo e de flores silvestres, 
cintilando sob o orvalho da madrugada. Alguns caminhos convergiam para o coração da 
cidade de Nazaré, que se aninhava na concavidade das montanhas; outros seguiam 
rumos diferentes, em direção ao mar Morto ou Damasco, a Séforis ou Cafarnaum. Eles 
se abriam por entre a fartura de vinhedos e de oliveiras, que forneciam o vinho gostoso e 
o azeite mais suave da Galiléia. As granjas multiplicavam-se pelas planícies, mas 
sempre rodeadas de bosques e ciprestes alternados com as figueiras pejadas de frutos 
de caldo doce e os limoeiros de cheiro penetrante. De vez em quando, por entre as 
árvores frutíferas pintalgavam as pequenas romãzeiras carregadas de romãs de bagos 
encarnados e sumarentos; ou então, pendiam das cerejeiras os cachos de cerejas 
carnudas e vermelhas. 

Ao redor da cidade de Nazaré, formando caprichoso cinturão, esparramavam-se as 

casas de madeira de lei, construídas principalmente de cedro de Líbano que se 
misturavam às cabanas bem feitas e às palhoças de barro batido, cobertas com folhas 

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