paixões e os desejos incontrolados eram realmente os motivos responsáveis pelos
desentendimentos entre os homens, os quais, assim como os animais, só se mostravam
inofensivos quando bem alimentados, fartos, gozando saúde e satisfação no seu instinto
sexual.
E o Mestre entristecia-se verificando que o homem precisava tão pouco para ser
feliz, bastando-lhe somente amenizar o desejo cúpido e domesticar as paixões violentas
para ele ser mais venturoso e substituir os prazeres transitórios da carne pelos prazeres
duradouros do espírito. Então se propunha ensinar a criatura humana, transmitindo-lhe
um pouco da ventura espiritual, que era o seu estado normal de alma. Ali, na Galiléia,
ele vislumbrava representantes das principais raças do mundo, cujos homens eram
portadores de todas as paixões, vícios e ardis. Juntamente com algumas virtudes
benfazejas, também se manifestavam neles todos os tipos de pecados humanos, motivo
por que a Galiléia então lhe parecia um mostruário vivo dos espécimes representativos
de toda a humanidade.
Jesus bem sabia da inutilidade e inoperância dos tratados civis, das leis e dos
códigos penais, das doutrinas e das seitas religiosas do mundo que tentassem
disciplinar a conduta humana, porquanto a repressão moral não educa o coração do
homem. Nem o culto religioso, a disciplina filosófica, nem os conceitos avançados de
ética poderiam extirpar do coração dos homens as paixões e os vícios, se atuassem do
“exterior” para o “interior”. O êxito só poderá ser do centro para a periferia, do mundo
oculto para o visível, do espírito para a mente, e na forma de um sentimento tão
amoroso que consiga purificar os pecados da própria alma.
Então Jesus compreendeu que para o homem tornar-se altruísta, teria de ser
explorado no próprio egoísmo. Visando ao seu maior bem também poderia visar ao bem
do próximo. Jamais alguém poderia dar aquilo que ainda não possuísse realizado e
satisfeito em si mesmo. O homem primeiramente teria de ser egoísta, isto é, “acumular”
até sua plena satisfação, para depois sentir o prazer de doar e repartir. Por isso, seria
preciso transbordar os homens de Amor, a fim de que eles passassem a amar-se uns
aos outros. Partindo do próprio egoísmo da criatura preferir o máximo bem para si,
Jesus lançou então a sua máxima ou princípio surpreendente e de maior sublimidade no
ser: — “Ama o próximo como a si mesmo”. O egoísmo, tão gélido e separatista, principal
sustentáculo ou cogitação da personalidade humana, então serviria para cimentar o
fundamento do próprio Amor, em relação ao próximo.
Jesus não visava aniquilar a “força” do egoísmo, mas apenas inculcar-lhe um
sentido proveitoso em benefício do próximo. O amor a si mesmo seria, pois, a ação
dinâmica do amor a outrem. Utilizando o seu admirável dom de percepção espiritual,
Jesus procurava identificar em si mesmo, quais seriam as reações morais do espírito
diante da injustiça, da ingratidão, da perversidade ou do egoísmo humanos. Ele não
acusava mágoas ou ressentimentos, nem sofria intimamente a agressão ou o insulto
alheio, mas buscava conhecer as torturas a que se submetem as criaturas terrenas,
mortificadas pelos seus próprios pecados e vícios. No entanto, reconhecia que os
homens eram perversos, orgulhosos ou avaros, porque também eram ignorantes e
imaturos de espírito. Indubitavelmente, em vez de serem condenados ou mesmo
censurados, eles precisavam ser esclarecidos ou ensinados, quanto ao verdadeiro
motivo da vida e à responsabilidade do espírito eterno.
Assim como os animais selvagens se tornam pacíficos e serviçais depois de
domesticados, os homens, ainda que extremamente imperfeitos, também podem ser
bons e ternos, domesticando suas paixões, em vez de atacá-las de modo agressivo.
Jesus, alma sublime e generosa, propôs-se então ensinar os homens e torná-los dignos
da ventura do “reino de Deus”, onde a paz de espírito é o fundamento principal da
existência paradisíaca. Mas também reconhecia a necessidade de viver as lições a
serem ministradas à humanidade se quisesse, realmente, conquistar a confiança dos
terrícolas. Só através do seu exemplo pessoal, da completa renúncia a todos os bens e
prazeres do mundo, sofrendo estoicamente na própria carne as dores das ingratidões e
agressividades alheias, ele então poderia demonstrar a sua fé incondicional e
submissão absoluta à vontade de Deus, atraindo assim a confiança dos homens.
108