outros escrevessem para a posteridade.
Antes a confusão sobre o que ele possivelmente teria dito, em vez da confusão
sobre o que teria escrito. Qualquer testemunho escrito que tivesse deixado serviria de
pretexto para justificar a paternidade de outras milhares de mistificações espalhadas sob
o seu augusto nome.
PERGUNTA: — No encerramento deste capítulo sobre os aspectos humanos de
Jesus, poderíeis dar-nos uma imagem mais nítida de sua juventude?
RAMATÍS: — Embora jovem, Jesus já tinha o aspecto grave e austero próprio do
homem idoso. Mas era de porte imponente e seus olhos serenos, penetrantes e
profundos, malgrado refletissem a melancolia que o dominava desde a infância, eram
plenos de uma ternura quase feminina. Atingira os dezenove anos e já sofria imensamente
ao verificar que entre os seus próprios familiares e conterrâneos, não era compreendido
no seu Ideal messiânico, comprovando-se, mais uma vez, o velho ditado de que “ninguém
é profeta nem faz milagres em sua terra.” Tomado por incessante ebulição interior e
devotado somente às coisas definitivas como os bens do espírito, era um moço indiferente
aos anseios das hebréias formosas que desejavam desposá-lo.
Tentara diversos empregos, os mais variados, tanto em Nazaré como em
Jerusalém, no intento de cooperar com o orçamento de sua modesta família. Porém, não
conseguia ajustar o seu espírito cósmico nas tricas do trabalho humano, nem suportava
a imobilidade de concentrar-se exclusivamente num objeto que, de início, já reconhecia
fugaz e transitório. Não era defeito de um jovem ocioso e avesso ao labor comum e às
obrigações de todo ser humano, mas a impossibilidade de controlar e enfeixar a força
fabulosa que lhe descia sobre o cérebro, exigindo-lhe a expansividade das idéias e o
desafogo da alma.
Embora não estivesse plenamente convicto de ser o “Salvador” apregoado pelos
profetas e esperado pelo povo de Israel, nem se supondo o Messias esperado, estava
certo de que sua vida seria consumida no fogo do sacrifício e acima das ilusões do mundo
terreno. Não se considerava o missionário descido dos céus para redimir os homens, mas
desde jovem vivia de tal modo que os homens poderiam supô-lo perfeitamente o tão
desejado Messias em desenvolvimento na face da Terra, para glória e libertação do povo
de Deus.
A família consangüínea era para Jesus apenas um ensejo disciplinar, pois o seu
amor ultrapassava qualquer limite egocêntrico e afetivo da parentela humana para se
derramar incondicionalmente por todas as demais criaturas. O lar fora-lhe dádiva
generosa de Jeová, o repouso e o oásis benfeitor no deserto da vida física. Mas não
poderia cingir-se a um amor exclusivo e aos interesses pessoais da família. Seu pai,
seus irmãos eram um reduto simpático e afetivo; amava-os sinceramente, mas em sua
lealdade espiritual e sem poder trair sua índole angélica, a humanidade era o seu único
amor.
PERGUNTA: — Finalmente, qual era a disposição emotiva do jovem Jesus para
com os demais moços de sua época?
RAMATÍS: — Jesus quedava-se, por vezes, recostado na coluna do pórtico da
Sinagoga e punha-se a examinar as fisionomias, os gestos e as expansividades ou
faceirices dos seus conterrâneos metidos nos trajes domingueiros, como um bando
álacre de criaturas felizes. Mas, senhor de maravilhoso dom de empatia,
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ele então
avaliava os sonhos, as angústias, as esperanças e os ideais dos seus contemporâneos.
Via nos jovens despreocupados a figura batida e cansada do futuro velho, cujas rugas,
como linhas gráficas, marcariam a estatística do sofrimento da vida material. Era a tortura
e o desengano dos sonhos desfeitos da mocidade; a exaustão da existência física, na
qual o espírito abate-se do seu vôo feliz, para situar-se nos grilhões superexcitantes da
carne. A chama ardente que via nos olhos dos moços, mais tarde se apagaria, soprada
pelos ventos das desilusões, infidelidade e dores, que formavam o cortejo e a cota de
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Empatia, capacidade de o indivíduo colocar-se no lugar dos outros e sentir-lhes as emoções, os gostos e
tendências.
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