RAMATÍS: — Realmente, José e Maria eram paupérrimos e responsáveis por uma
prole numerosa e estranhavam que Jeová, em vez de lhes enviar um filho de bom-
senso, prático e semelhante aos demais meninos, onerara-os com um belo garoto, de
um fascínio e encanto especial, de uma agudeza e sinceridade chocantes, mas
impróprio para a época e vivendo na infância a responsabilidade e os pensamentos de
um adulto. Malgrado sua doçura, sentimento amoroso, pensamentos limpos e certa
timidez, Jesus era uma “criança-problema”, quando incandescia na sua alma aquele
estranho fulgor que o tornava severo, desembaraçado e irredutível no seu senso de
justiça tão incomum.
Os seus arrebatamentos e entusiasmos, que o levavam a beneficiar os outros com
sérios prejuízos para si mesmo, a sua falta de utilitarismo e a inesgotável capacidade de
trabalhar gratuitamente para qualquer pessoa, deixavam José e Maria confusos, pois só
eram habituados à vida rotineira e sem contrastes importantes. Afora isso, o menino
Jesus era frugal, simples e sempre esquecido do seu próprio bem.
PERGUNTA: — Afirmam alguns escritores que Jesus era doentio desde a infância,
e se fosse hoje examinado pela ciência médica seria considerado um neurótico ou
esquizotímico?
RAMATÍS: — Convém saber, antes de tudo, qual é a natureza do padrão científico
preferido pela ciência médica do mundo para aferir qualquer enfermidade atribuída ao
menino Jesus. A verdade é que nas tabelas da patogenia sideral, as enfermidades mais
graves são justamente a vaidade, avareza, ira, crueldade, luxúria, hipocrisia, o orgulho,
ciúme e os vícios que aniquilam o corpo carnal como o fumo, o álcool, os entorpecentes
ou a glutonice carnívora. Desde que os sábios terrenos passem a considerar a
hipersensibilidade, o amor, a renúncia espiritual próprias do menino Jesus como
incursos nas tabelas patológicas do mundo, é evidente que também terão de classificar
o seu oposto, isto é, a “consciência satanizada” como um padrão da verdadeira saúde
do homem. A melancolia, a tristeza, o desassossego e aparentes contradições do
menino Jesus não eram efeitos próprios de um caráter mórbido ou censurável, mas uma
conseqüência natural do desajuste do seu espírito angélico, cuja vida era
profundamente mental e o fazia sentir-se exilado no ambiente rude da matéria. As suas
esquisitices e excentricidades eram provenientes da sua impossibilidade de acomodar-
se ao meio terráqueo, como o faziam os seus contemporâneos adstritos aos problemas
simplíssimos de digerir, procriar e cumprir as exigências fisiológicas do organismo
humano. Não é demonstração de enfermidade a aflição das pombas debatendo-se no
pântano viscoso, só porque ali os crocodilos se mostram eufóricos e tranqüilos.
Jesus não era enfermo psíquico, embora tivesse de refugiar-se amiúde no seio da
mata ou das clareiras silenciosas, quando se sentia afogueado pela tensão do seu
próprio espírito ou alvejado pelos fluidos perniciosos. Em verdade, havia profundo
contraste entre o seu temperamento angélico de avançado entendimento moral, ao pôr-
se em choque com os interesses mesquinhos, a vulgaridade, má-fé e ignorância dos
homens que lhe cumpria esclarecer e salvar.
PERGUNTA: — Conforme vossos dizeres, o menino Jesus também exigia uma
vigilância constante dos seus anjos tutelares, em face de sua despreocupação pela vida
humana. Quer isso dizer que ele dava sério trabalho aos seus protetores?
RAMATÍS: — Sem dúvida, a preciosidade de sua vida endereçada à mais importante
missão de um anjo sobre a Terra, abrindo clareiras de luz no seio das sombras
terráqueas para a redenção do homem, movimentava todas as forças benfeitoras, a fim
de livrá-lo de uma desencarnação prematura ou acidente lesivo. A índole excessivamente
contemplativa de Jesus induzia-o a procurar empreendimentos e atividades insólitas, que
pudessem ajudá-lo a compensar as angústias e as emoções de que sofria o seu espírito
superativo, pois, de conformidade com o velho aforismo iniciático, “o anjo não dorme”!
Nos seus impulsos de libertação, ele penetrava a fundo nos bosques e nas furnas,
surpreendendo até as feras nômades que o fitavam inquietas e sem coragem de agredi-
lo, ante a refulgência da luz sideral que os seus guias projetavam no sentido de protegê-
lo. Malgrado a advertência prudente do Alto, o menino Jesus expunha demasiadamente o
83