retardatários.
Embora pobre, era confortável para os costumes daquela gente tão protegida pelo
clima saudável e a prodigalidade de peixes e de frutas para o sustento fácil. Eram
reduzidos os problemas da manutenção da família no tocante ao alimento; e mesmo
quanto às vestes, bastavam-lhes poucas roupas e agasalhos. A sua índole inata de
hospedeiros fazia-os merecedores de presentes e auxílios dos forasteiros que eram
benquistos e preferiam o aconchego de uma família pobre, mas sadia e honrada, do que
as hospedarias dos entrepostos de estradas, onde se fazia a mais censurável mistura de
homens de todas as raças, condutas, enfermidades e todos os vícios.
Durante os dias secos e ensolarados, quando o céu era límpido, cozinhava-se fora,
pois o combustível para o fogão consistia em galhos secos de ciprestes e cedros, cujo
calor era habilmente conservado com estrume de camelo, ressequido e misturado com
serragem produzida no serviço da carpintaria. O fogão, grande e bojudo, descansava
num tripé de ferro, sendo recolhido, nos dias chuvosos, para dentro de casa, cuja
fumaça enegrecia as paredes por falta de ventilação apropriada.
Em torno da casa havia uma cerca de tapumes feita de retalhos de tábuas e ripas,
na qual se entrelaçavam cipós florescidos com florinhas miúdas. Aqui e ali repontavam
alguns tufos de margaridas transplantados das margens do Jordão e que exigiam muita
umidade. Pequenos canteiros circundados de pedras, obra indefectível do menino
Jesus, protegiam algumas roseiras que emergiam do punho vermelho vivo e afogueado
das papoulas. José e Maria possuíam alguns cabritos, galinhas e marrecos, que lhes
forneciam o leite e ovos, além do tradicional burrico dócil e pacífico, que servia para as
andanças do ofício de carpinteiro e a entrega dos serviços de menor porte.
O observador arguto reconheceria naquele cenário pobre, simples mas emotivo, o
toque mágico das mãos do menino Jesus; aqui, as pedras arrumadas com um agradável
senso estético, delineavam os contornos do jardim modesto; ali, ripinhas de todos os
tipos e tamanhos firmavam papoulas chamejantes, íris e narcisos, e tirinhas de couro
guiavam os cipós floridos e as trepadeiras para o trânsito na ponta das cercas; acolá, a
areia fina e dourada da beira das encostas das pedreiras, cobria os caminhos por onde
Maria deveria estender as roupas ou atender as aves. E ali se via ainda o arremate do
menino artista pelos pincéis e os vasilhames de cobre sujos de tinta, que haviam servido
para a pintura nova dos alicerces da casa, das guarnições da porta, dos cochos de
alimento dos animais e das aves. A sua iniciativa benfeitora tornara a casa de Maria e
José a mais simpática e admirada do subúrbio pobre, pois se ele era incapaz de ficar
agrilhoado ao horário draconiano de obrigações inadiáveis, jamais se cansava quando o
seu espírito criador e construtivo se decidia a produzir algo de agradável aos outros.
Rebelde à imposição alheia, era um escravo dócil e desinteressado sob a força do seu
próprio impulso criador.
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