o lugarejo de água necessária. Depois da tarefa exaustiva do lar, o intercâmbio jovial e
ruidoso em torno da fonte de água de Nazaré significava um descanso para o espírito
atribulado. A hora de buscar água constituía um encontro festivo entre o mulheril para a
troca de notícias em comum, que iam desde as preocupações da criação da prole até aos
percalços da vida alheia. Vizinhos, amigos, forasteiros, mercadores e rabis reuniam-se em
torno do poço tradicional, o qual se tornava o denominador comum de todas as
ansiedades e emoções dos nazarenos. As jovens, as anciães e os meninos formavam
filas compridas carregando bilhas, vasilhames de cobre, potes, jarras vidradas e moringas,
que brilhavam ao sol, numa cena pitoresca e tentadora ao pincel do mais rude artista. Ao
redor dessa fonte floresciam amizades e nasciam amores; acertavam-se noivados e se
pensava em casamento; mais de um gesto cortês do jovem ao carregar a bilha d’água da
moça encabulada resultou, mais tarde, num esponsalício feliz.
E o menino Jesus, sempre serviçal e atencioso, principalmente com os velhos e
doentes, prestava toda sorte de favorecimentos ali junto ao poço, movendo-se alegre e
jubiloso entre bilhas, jarras e vasilhames de todos os tipos e moldes. Ele se regozijava
de encher o cântaro dos mais velhos, lavava as jarras, ajudava os cães a mitigar a sede.
Às vezes, tudo terminava em inesperados banhos de água, em conseqüência das
travessuras de outros meninos seus conterrâneos. Retornava alegre e brincalhão depois
de ajudar junto à fonte; e jamais desmentia o seu espírito de justiça e respeito ao
próximo, pois jamais carregava a jarra de água da moça, antes de servir a mulher idosa.
Quando José faleceu, vítima de um insulto cardíaco e Jesus alcançava os vinte e três
anos, Maria assumiu definitivamente a direção do lar e manteve junto de si, como a ave
ciosa da prole, os menores, enquanto José, que atingia vinte anos, ajudado por Tiago, com
onze anos, se devotavam aos serviços de carpintaria herdada do pai. Efrain, com vinte e
dois anos, demonstrando desde cedo um espírito especulador, pertinaz e ambicioso, já se
fazia intermediário em alguns negócios de fornecimento de víveres e suprimentos para os
grandes negociantes hebreus e fornecedores dos romanos. Alguns anos depois, a sua
situação financeira era bastante desafogada e respeitada. Enquanto Andréia prestava
alguns serviços aos vizinhos e caravaneiros nos entrepostos, Ana e Elisabete ajudavam
nos bordados que Maria lhes ensinava como frutos de seu aprendizado entre as jovens de
Sião, de Jerusalém. Os enteados, Eleazar, Matias e Cléofas, também conhecido por
Simão, filho de José, jamais mostraram qualquer ressentimento ou queixas contra aquela
mulher heróica, que os amparara desde a meninice sob o afeto puro de mãe adotiva.
Assim transcorreu-lhe a vida até que João, o Evangelista, levou-a para Éfeso, já
bastante idosa, onde mais tarde desencarnou, depois de ter atendido a todas as
criaturas, transmitindo-lhes os mais puros sentimentos de ternura e amor em
homenagem ao filho querido sucumbido na cruz para redimir o homem. Em torno dela
reuniram-se os tristes, os desamparados e doentes, ainda esperançosos da presença
espiritual do Amado Mestre e da cura dos seus males. Maria, boníssima e leal no seu
amor a Jesus, lamentava-se por vezes, pelo fato de não ter compreendido há mais
tempo a sublime e heróica missão de seu filho. Entre os discípulos e seguidores do
Cristo-Jesus, velhinha e exausta, certo dia descansou, libertando-se da matéria
opressiva.
PERGUNTA: — Qual era o aspecto do lar de Jesus, durante a sua infância?
RAMATÍS: — Era uma casa simples num subúrbio de Nazaré, semelhante às
residências árabes, construída de blocos encorpados de argamassa e liga de cal,
parecida ao giz branco, com as suturas feitas de barro amassado. A porta de entrada
era baixa e sem segurança, dando acesso a dois aposentos espaçosos, que não
possuíam paredes divisórias, mas apenas duas cortinas feitas dos próprios cobertores
presos por ganchos numa corda rústica. Ambos se comunicavam com a oficina de
carpintaria de José, e esta, por sua vez, permitia ingresso no estábulo por uma
portinhola de meia altura. Em lugar de janela, havia uma grande rótula no teto, por onde
entrava bastante claridade sobre o chão de terra batida, semicoberto com peles de
cabras, de camelos e de carneiros, além de cobertores leves e esteiras de palha
trançada. Era uma casa térrea, cujo aposento central e espaçoso servia, ao mesmo
tempo, de cozinha, de sala-de-estar e até de quarto de dormir para os hóspedes
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