hospitaleiro, religioso e serviçal; mas esse ouro da alma ainda se achava impregnado da 
ganga inferior das paixões e dos interesses mesquinhos do mundo. A cupidez, inveja, 
falsidade e avareza e as murmurações malévolas às vezes também estendiam seus 
tentáculos, procurando turbar a paz do lar tranqüilo de Maria e José. Isso os obrigava a 
estóicas renúncias e abdicação do amor próprio, amenizando os mexericos da 
vizinhança, inquieta e rixenta. Só a ternura, a humildade, o amor e a paciência de Maria 
puderam transformar a intriga e o falatório tempestuoso de alguns, na brisa inofensiva 
da cordialidade. O seu sorriso angélico desfazia o ressentimento mais duro e abrandava 
o coração mais tirânico. Ela contornava com tal doçura os enredos de inveja e de ciúmes 
a lhe rondarem o aconchego do lar amigo, que conseguia desarmar os intrigantes mais 
capciosos e renitentes. 

A Galiléia não era um mundo de criaturas santificadas só porque ali vivia Jesus, o 

Messias, pois não é o tipo de raça, a latitude geográfica ou a tradição histórica de um 
povo o que imprime na alma humana o selo da espiritualidade. Isso é obra da 
transformação, do apuro de sentimentos e da maturidade espiritual, efetuado no seio da 
alma, e não de acordo com a mudança do ambiente. A alma vil e inferior tanto é própria 
do povo chinês, polaco ou judeu, como do egípcio ou hindu. E o povo judeu, na época, a 
par de suas virtudes tradicionais e fé religiosa, era cúpido, fanático, avaro e rixento. Às 
vezes, o animal ou a ave inocente pagava com a vida o fim da discussão violenta que os 
seus donos empreendiam por “cima da cerca”. Doutra feita, a rixa entre as crianças 
assumia tal dramaticidade, que mobilizava os pais para a troca de imprecações e 
insultos na defesa das tradições e dos preconceitos da família. E à semelhança do que 
ainda hoje acontece nos cortiços, às vezes, motivos sem importância terminavam em 
violento pugilato. 

Felizmente, José, embora homem severo e intransigente, sabia amainar essas 

tempestades emotivas, aliando-se à meiguice de Maria para sobrepairar acima dos 
mexericos perigosos. Malgrado tratar-se de uma família numerosa, aquele lar pobre, mas 
honesto, sustentou o clima psíquico adequado à eclosão das forças espirituais do Menino-
Luz. Isto evitou desperdício de tempo e qualquer desvio na marcha messiânica do Mestre 
Amado. 

Enquanto José se assemelhava ao carvalho vigoroso, sob cuja sombra protetora 

Jesus pôde crescer tranqüilo, Maria era como o sândalo a perfumar o machado da 
maledicência, intriga e mesquinharia humana, que às vezes tentava ferir-lhe o lar. 

 
PERGUNTA: — Naturalmente, a passividade materna de Maria não só ajudou Jesus 

a crescer emancipado pelas suas próprias idéias, como também a desvencilhar-se mais 
cedo dos laços afetivos e sentimentalismos da parentela do mundo. Não é assim? 

RAMATÍS: — Realmente, havia sido combinado no Espaço, entre os participantes 

mais íntimos da missão de Jesus, que ele teria de despertar suas próprias forças 
espirituais e sentimentos angélicos na carne, livre de quaisquer influências educativas 
alheias. Todavia, ser-lhe-ia proporcionado um ambiente familiar pacífico, compreensivo e 
seguro, para não lhe perturbar a infância. Em face da contextura espiritual superior de 
Jesus, os apóstolos e cooperadores de sua obra messiânica ainda eram incapacitados 
para traçar-lhe diretrizes melhores das que ele já planejara no imo de sua alma. Por isso, 
dispensou qualquer método disciplinador ou guia humano, que devesse orientá-lo no 
mundo durante os 33 anos de sua vida física. Os seus Anjos Tutelares sempre o 
desviaram de quaisquer empreendimentos ou gloríolas profanas, embora dignas e 
meritórias, mas capazes de algemá-lo às preocupações escravizantes da vida humana. 

 
PERGUNTA: — Embora considerando-se a modéstia intelectual de Maria e o senso 

prático de José, não lhes teria sido possível perceberem a diferença da natureza 
espiritual incomum de Jesus sobre os demais filhos? E isso não os faria se considerar 
mais venturosos? 

RAMATÍS: — Nem sempre os rasgos de genialidade e os arroubos extraordinários 

dos filhos incomuns são motivos de ventura para os pais. Às vezes confundem 
arrebatamentos de sabedoria com excentricidades inexplicáveis. O certo é que Jesus, 
embora fosse um menino dócil, respeitoso e algo tímido, era um Espírito de estirpe 

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