prematuramente dando-lhe o desejado alívio. Mediu o espaço que o separava dos
soldados, mas verificou, desanimado, que seria morto antes de lograr vencer aquelas
dez jardas. Naquele momento, num esforço supremo para exprimir-se, Jesus conseguiu
dar a entender que suplicava por um pouco de água. Os soldados se entreolharam,
numa espécie de consulta recíproca. Então embeberam a esponja no caneco de sua
beberagem alcoólica e aproximaram-lha dos lábios. Ele sorveu algumas gotas da bebida
ácida, gozando de breve alívio nos lábios ressequidos para depois retornar à sua
condição de imobilidade atroz.
Tiago e João ainda se aproximaram mais da cruz, quedando-se ante o sinal
ameaçador de um soldado armado de lança. Num esforço pungente, eles ergueram os
olhos para Jesus, cujas veias estavam tensas e pareciam saltar da fronte sob o impacto
do sangue impulsionado pela aorta. Tiago enxugou o rosto com a própria mão e olhou o
céu, como a pedir socorro. Luziu-lhe um brilho de esperança nos olhos lacrimosos, ao
ver que os soldados buscavam um lugar apropriado para se abrigarem ante a
tempestade que se mostrava cada vez mais aterradora. Ele pretendia, de um salto,
apanhar a lança que se achava encostada na cruz de um dos ladrões e por amor e
piedade por Jesus, o melhor homem do mundo, então far-lhe-ia cessar o tormento
pavoroso, cravando-a no seu coração.
PERGUNTA: — E como se findou, realmente, o drama tormentoso do Calvário?
RAMATÍS: — O cimo do Gólgota estava ficando deserto de estranhos e curiosos,
pois só os amigos, discípulos e parentes ali permaneciam açoitados pelo vento cada vez
mais impetuoso e uivante à flor do solo. A dor do Cordeiro do Senhor extravasava o
cálice da suportação humana. O Espírito mergulhado na tortura da carne vivia minutos
eternos represando em si as angústias da imensa responsabilidade de esgotar a última
gota de fel para a redenção do gênero humano. A chuva benfeitora rugia além das
colinas da Galiléia, manchando o noroeste de um negro líquido. Mas Jesus não
desejava, de modo algum, esse alívio, que, ao mitigar-lhe a sede abrasadora e banhar-
lhe o corpo febril, também lhe prolongaria o sofrimento desumano.
Sentia uma excitação psiconervosa cada vez mais intensa, tentando reunir todas as
suas forças físicas e espirituais para vencer a terrível opressão que ameaçava
despedaçar-lhe os tímpanos, romper-lhe a garganta e a cavidade pulmonar. Quis abrir
os olhos e só o conseguiu após tremendo esforço, movendo tormentosamente a cabeça
numa leve inclinação para a frente, como se tentasse vencer a massa granítica que
parecia lhe pesar na fronte. Eis que naquele momento, então, fulgura no céu tenebroso
um relâmpago imensurável. Sob a sua luz cegante, Jesus pôde vislumbrar e reconhecer
os seus amigos, alguns discípulos e as piedosas mulheres que ali se reuniam na mais
terna e veemente oração. Sua alma entreabriu-se numa visão beatifica e ele tentou
mover os lábios, mas estavam tão rígidos, que não puderam, sequer, esboçar-lhe o
sorriso meigo de gratidão aos seus queridos. O trovão rebentou forte e as nuvens
dançavam furiosamente em choques bruscos. O peso da atmosfera parecia cair todo
sobre o corpo de Jesus aumentando-lhe a terrível sensação de cruel esmagamento.
Uma dor atroz partiu-lhe das pontas dos dedos da mão esquerda; depois subiu-lhe
rápida pelo braço, como um arame incandescente perfurando-lhe as veias e, num átimo
de segundo, bloqueou-lhe o coração, paralisando-lhe a respiração. Um forte
estremecimento sacudiu-lhe as faces, os lábios e as pontas dos dedos entorpecidos; os
olhos se nublaram completamente e sua cabeça pendeu desamparada sobre o ombro
esquerdo!...
O Messias havia expirado!... Eram três horas da tarde!
Tiago viu-lhe a morte à luz do relâmpago e caiu de joelhos num grito de dor pela
perda do Mestre e num brado de júbilo pela sua libertação do suplício bárbaro da cruz.
Todos levantaram-se e numa só exclamação, de braços erguidos, gritavam
jubilosamente chamando a atenção dos soldados:
— Hosanas! Hosanas! O Mestre expirou! O Senhor nos ouviu!
Prostravam-se ao solo e beijavam a terra entre soluços indescritíveis. Então o chefe
da patrulha de soldados, empunhando a lança, feriu a carne de Jesus. Primeiramente de
leve, e depois forçou-a até manchar-se de rubro e verificar que não havia mais sinal de
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