alívio impossível e a sede insaciável. A angústia crescente e o menor esforço provocava 
dores lancinantes. O sangue da aorta aflui mais para a cabeça e concentra-se no 
estômago na crucificação, pois o corpo do condenado fica muito tenso e pende para a 
frente. Poucas horas depois, processa-se também a rigidez na garganta e a atrofia das 
cordas vocais, o que sufoca a voz impedindo o crucificado de falar, salvo alguns 
estertores e sons inarticulados. Por isso, Jesus expirou sem pronunciar qualquer outra 
palavra, além daquele generoso pedido de perdão ao Pai para seus próprios algozes, 
quando ainda se achava na posse perfeita de sua voz. Como era criatura de contextura 
carnal mais apurada, ele também sentiu mais cedo os terríveis efeitos paralisantes e 
penosos do suplício da cruz. Enquanto os outros dois crucificados emitiam verdadeiros 
grunhidos de dor e desespero, o Mestre Amado curtia a sua desdita em silêncio e 
resignadamente, cuja vida só se manifestava pelo arfar célere dos seus pulmões. 

Daquele momento em diante, nem os soldados que matavam o tempo jogando 

dados e bebendo o seu vinho vinagroso à sombra improvisada das três cruzes, nem os 
amigos e discípulos que se encontravam a poucas jardas de Jesus, ouviram-lhe 
quaisquer palavras além do seu silêncio doloroso e estóico. 

 
PERGUNTA: — Contam os evangelistas que, na hora de Jesus expirar, o céu abriu-

se em tremenda tempestade e se “difundiram as trevas sobre a terra e se rasgou o véu 
do Templo em duas partes”. Que dizeis disso? 

RAMATÍS: — Conforme dissemos, quando Jesus foi crucificado já passava do meio-

dia. Dali a algum tempo a multidão foi-se reduzindo em face do calor sufocante e talvez 
saciada do espetáculo confrangedor, que a uns comovia, a alguns horrorizava e a outros 
atraía por espírito mórbido e sadismo. O sol ardente obrigava os restantes a procurar 
sombras entre os raros arbustos ou junto das ruínas de algumas catacumbas de um 
velho cemitério abandonado. Mas quase todos se mostravam cansados e fartos da cena 
tormentosa da crucificação, além do silêncio lúgubre que só era entrecortado pelos 
gemidos cada vez mais pungentes dos crucificados ao lado de Jesus. 

Não era permitido a ninguém aproximar-se da cruz além de dez jardas, pois a 

sentença impedia qualquer iniciativa que reduzisse o tempo de vida dos crucificados, 
cuja infração poderia ser punida até com a morte dos infratores e a prisão dos guardas 
negligentes. Os parentes e amigos que se achavam mais próximos da cruz estavam de 
joelhos e oravam a Deus para dar o alívio ou a morte ao querido Amigo e Mestre Jesus 
de Nazaré. Os homens tinham os olhos rasos de lágrimas e as mulheres gemiam aflitas 
em desesperado lamento. 

Em verdade, na sexta-feira da crucificação todo o aspecto do tempo denunciava 

tempestade para a tarde ou a noite. Quando já fazia duas horas que Jesus fora 
crucificado, nuvens densas puseram-se a correr pelo céu, impelidas por um vento 
furioso, enquanto a luz do dia se apagava aos poucos, vencida por inesperada 
escuridão. As criaturas estranhas ao acontecimento da cruz apressaram-se a descer a 
encosta do Gólgota em direção aos seus lares. Sob o rugido do vento impetuoso, as 
cruzes se sacudiam arrancando gemidos lancinantes dos crucificados. Os próprios 
soldados se entreolhavam inquietos e os amigos do Mestre esperançavam-se de que 
Jeová iria intervir a favor do seu filho querido e eleito para a glória de salvar Israel. 

Jesus sentia os braços cada vez mais entorpecidos por um espasmo cruciante. 

Recrudesciam-lhe as dores opressivas da cabeça e o estômago queimava-lhe ardendo 
de modo esbraseado, enquanto os músculos do ventre pareciam rebentar sob a pressão 
da carga do corpo crucificado, penso para diante. O sangue das feridas dos pés e das 
mãos havia estancado, mas outra dor pungente tomava-lhe o coração. Tiago, o irmão de 
Maria, confabulava com os companheiros; ele não poderia suportar o espantoso drama 
de ver o seu adorado Mestre e sobrinho findar-se na cruz, aos poucos, só pelo crime de 
ter amado demais a humanidade. O que iria lhe acontecer dali por diante? Quantos dias 
Jesus resistiria, até apodrecer, acometido das pavorosas crises da gangrena da cruz, 
torturado sob o enxame de moscas e insetos ou assaltado pelas aves carniceiras, que 
estavam habituadas a devorar os crucificados abandonados nas estradas? 

Tiago estava decidido. Mesmo que tivesse que submeter-se às mais terríveis 

torturas, jamais ele deixaria morrer de fome ou de sede o seu Mestre, pois o sacrificaria 

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