numa certa ordem, abafando as vozes que provavelmente estariam pedindo a
absolvição do rabi galileu.
— Morte ao Rei de Israel! Morte ao falso Filho de Deus! À cruz com o Messias!
Crucifica-o! Crucifica-o! — berravam dezenas de criaturas num tom ameaçador.
Pôncio Pilatos mordeu os lábios e ficou congesto; estufou o peito e parecia explodir.
Não se sentia apiedado de Jesus, mas o que o encolerizava era a sua frustração quanto
ao objetivo de forçar os judeus a absolver o prisioneiro, para então glosar o logro de
Caifás e seus sequazes.
— Cães! ... — bradou ele num assomo de raiva. — Cães vendidos e mercenários!
Realmente, não era o povo, que ainda simpatizava com Jesus, que gritava o
“crucifica-o”, mas isso provinha da “claque” infame recrutada a peso de ouro pelo Sumo
Sacerdócio, com a finalidade de pedir a morte de um justo, assim como também lhe
pediria a absolvição, caso fosse bem paga para isso.
— Crucifique-se o impostor! Crucifique-se o Rei de Israel! — prosseguiam os
agentes mercenários do Sinédrio, impedindo qualquer demonstração em favor do mestre
Jesus. Entre eles misturavam-se alguns sacerdotes de absoluta confiança de Caifás, e
que vigiavam o infame clamor da morte. Pôncio Pilatos, receoso de contrariar a vontade
daqueles astutos chefes do Sinédrio, que poderiam prejudicá-lo em Roma, comunicando
a Tibério que, apesar de o povo de Jerusalém ter exigido a morte do sedicioso rabino
galileu, ele o havia indultado, então exclamou irado, num desabafo de desforra:
— Quereis a morte do rabi da Galiléia? Pois seja, eu o entrego ao juízo do dia! Se ele
for condenado, vós mesmos o condenastes, porque eu lavo as minhas mãos deste
julgamento.
Rodopiou sobre os calcanhares, acenando para que encaminhassem Jesus à ante-
sala onde se reunia a corte do juízo sumário. Diante das provas acusatórias, da
confissão de Judas, da condenação do Tribunal Sagrado e do interrogatório que lhe foi
feito por crime de subversão, o Mestre manteve-se em absoluto silêncio, agravando
ainda mais a sua situação desfavorável. Após alguns momentos de confabulações e
sucinto exame das peças acusatórias enviadas pelo Sinédrio, os juízes romanos
condenaram Jesus à crucificação.
PERGUNTA: — Certos autores objetam que é um absurdo a narrativa evangélica de
que a crucificação de Jesus foi efetuada apenas algumas horas depois da sentença. Que
dizeis?
RAMATÍS: — A justiça romana exercida nas províncias cativas contra os sediciosos,
conspiradores e escravos rebeldes procedia-se de modo sumário; a condenação era
imediata e a execução logo em seguida. Os romanos eram práticos e sem
sentimentalismos — provada a culpa do acusado, ninguém jamais o salvaria. Embora se
deva assinalar a ética avançada do Direito Romano para a época, a sua aplicação justa
e racional só se referia aos patrícios e cidadãos de Roma, pois outro era o tratamento
concedido aos povos cativos. Jamais contemporizavam com as tentativas sediciosas ou
conspirações contra o poder público, mas arrasavam cruelmente qualquer movimento ou
objetivos insurretos, a fim de atemorizarem futuros levantes. Durante o seu domínio
despótico, os romanos semearam milhares de cruzes na Palestina, onde também
apodreceram milhares de rebeldes, conspiradores e até imprudentes criaturas, que
foram capturadas na proximidade das sedições. Os romanos endurecidos não
consideravam os povos vencidos além de matéria-prima para garantir os seus feitos
orgulhosos e manter as suas instituições econômicas.
Apesar da tentativa de Pôncio Pilatos em salvar Jesus para contrariar os objetivos do
Sumo Sacerdote e sua família, nem por isso ele manifestava qualquer sentimento piedoso
ou de simpatia pelo acusado. A verdade é que, tivesse de sacrificar os seus interesses e
suas ambições para salvar Jesus, sempre terminaria optando pelo sacrifício do rabi da
Galiléia.
Cumpria-lhe atender às tradições dos judeus, pois no sábado e domingo da Páscoa
não deveria haver execuções, cerimônias fúnebres ou crucificações, para não ensombrar
as festividades da “cidade santa”. Então a sentença de crucificação de Jesus deveria ser
cumprida na própria sexta-feira de sua condenação. Isso fez a “claque” do Sinédrio
223