crime de Estado. A lapidação, o estrangulamento ou sacrifício na fogueira eram processos 
de punição aos que se rebelavam contra a Lei mosaica. Mas a cruz era um suplício 
romano destinado a punir escravos, rebeldes, criminosos, ladrões ou conspiradores, o que 
lançava a ignomínia sobre a vítima. O Sinédrio poderia sentenciar quanto à lapidação e 
depois conseguir a confirmação do Pretório de Roma para executá-la; mas os 
procuradores romanos, em geral, fechavam os olhos a essas questões religiosas dos 
judeus, deixando-os algo livres para agirem conforme sua lei. Era um assunto particular e 
Roma saía mais beneficiada ignorando a morte de mais um judeu, mesmo porque isso era 
providência dos próprios patrícios. 

Aliás, algum tempo depois da morte de Jesus, foi lapidado Estêvão, um dos seus 

seguidores, sob a custódia de Saulo de Tarso; e isso fora feito sem qualquer consulta à 
Procuradoria de Roma. Porventura, não havia o paradoxo de se lapidar as mulheres 
adúlteras, na rua, o que se fazia de imediato e sem a autorização dos romanos? Mas 
Hanan, o verdadeiro mentor da tragédia do Gólgota, alma vil e vingativa, demonstrou a 
Caifás que Jesus, rabi da Galiléia, era um fascinador de multidões, aceito e reverenciado 
como um “reformador religioso”, judeu. Em conseqüência, se ele fosse lapidado pela 
sentença do Sinédrio, deixaria um rasto de encanto sentimental entre o povo e forte 
motivo para a reação no seio dos seus próprios asseclas. Era perigoso e 
desaconselhável cometer tal imprudência de atear-se um rastilho de vingança na 
Galiléia tão espezinhada por Jerusalém. Isso poderia arregimentar os galileus em uma 
força coesa e decidida contra o Poder Religioso, o que não seria muito desagradável ao 
Procurador de Roma, sempre deliciando-se com as lutas e os problemas religiosos dos 
hebreus. Assim como tantas vezes tem acontecido na história do mundo, ponderava 
Hanan, em breve Jesus seria transformado num mártir para execração dos seus 
patrícios algozes. Obviamente, se as multidões lhe iam no encalço, é porque também 
seguiam suas idéias famigeradas contra a pompa do Sacerdócio jerusalemita e o luxo 
do Templo. Em conseqüência, morto o chefe do movimento cristão, nem por isso seriam 
liquidadas as suas idéias. Era preciso evitar a auréola messiânica que se formaria em 
torno do “Salvador” de Israel, pois a multidão é versátil e muda rapidamente por um 
simples gesto que a encanta ou por uma palavra que a comove. E ante a indagação 
muda de Caifás, Hanan, seu sogro, esboçou um sorriso cínico na face cruel, 
exclamando pausadamente: 

— Jesus de Nazaré não deve ser punido pela Lei de Moisés, mas pela de Roma!... 

E ainda glosou, através de um sorriso sardônico: — Ele não deve ser executado pelos 
seus próprios compatriotas, mas “vilmente assassinado” pelos inimigos de nossa raça!... 
 
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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