desconhecia as transformações que ali se processavam por força do primarismo humano. 

Mas não havia qualquer dúvida quanto ao fato de que a multidão o seguia incendida 

pelo entusiasmo das emoções descontroladas, preparando-se para ir a Jerusalém sob o 
mais imprudente aspecto sedicioso. No seu júbilo infantil e indisciplinado, os seus 
partidários esqueciam-se de refletir na perigosa contingência do povo de Jerusalém 
pensar de modo diferente. E se, em vez de aclamarem Jesus como um “rei” triunfante 
capaz de galvanizar a cidade, os jerusalemitas apenas o considerassem um profeta 
provinciano liderando uma corte de campônios, pescadores e artesãos arruaceiros? 

Jesus sentiu infinita amargura invadir-lhe o coração boníssimo, ante a perspectiva 

trágica de sua obra se desintegrar sob a força destruidora dos espíritos das sombras a 
comandar a imprudência daquela gente ingênua. Era muitíssimo tarde para mudar de 
idéia, mas jamais deveria ir a Jerusalém antes de esclarecer aquela turba inconsciente 
de sua própria disposição sediciosa. Enfrentava terrível dilema, pois a sua doutrina tanto 
poderia se esfacelar ali mesmo, em Betânia, caso arrefecesse o entusiasmo de seus 
partidários pela recusa de ir a Jerusalém, como isso poderia acontecer na própria 
metrópole judaica, em luta inglória contra os romanos e os esbirros do Sinédrio. 

Após cessarem as manifestações de alegria e os aplausos do povo de Betânia e dos 

adeptos que o seguiam desde as últimas peregrinações pela Judéia, o Mestre recolheu-se 
ao seu aposento, na casa de Ezequiel, e ali orou fervorosamente a Deus, rogando-lhe a 
graça do esclarecimento superior. Conhecia Jerusalém e já havia trabalhado na cidade 
como auxiliar de carpintaria, entre os 15 e 23 anos, mas sempre evitava quaisquer 
pregações se ainda não se sentisse preparado para impressionar aquela gente buliçosa. 
Reconhecia que anuiria a tal projeto tangido por estranha força oculta vibrando em sua 
própria alma. O que o aguardava em Jerusalém? A glorificação de sua obra, o arremate 
feliz da sua existência devotada incondicionalmente ao bem da humanidade ou, apenas, 
as cinzas tristes das idéias sublimes consumidas na fogueira da imprudência e da 
estultícia humanas? 

Jesus era entidade de alta estirpe sideral, alma poderosa e da maior sensibilidade 

intuitiva na face do orbe. No entanto, submerso na carne, sem gozar de privilégios ou 
favores divinos, ele se mortificava na angustiosa indagação de vislumbrar o caminho 
mais certo que deveria seguir, mesmo que isso custasse a vida humana, mas sendo 
orientado pela vontade do Pai. Pouco a pouco, sua elevada intuição o sintonizou com o 
Alto e sentiu-se envolto por inefável vibração benfazeja, desaparecendo-lhe as 
angústias e as hesitações sobre o que deveria realizar. Através do fenômeno 
ideoplástico mediúnico, muito conhecido dos espíritas e ocultistas modernos, 
projetaram-se em sua mente alguns dos quadros dolorosos que, mais tarde, viveria em 
Jerusalém, exceto o drama do Calvário. A perspectiva do sacrifício de sua própria vida, 
como o preço implacável para a sobrevivência imaculada da mensagem evangélica, 
inundou-o de júbilo e despertou-lhe a mais sublime euforia espiritual. Dissiparam-se 
todas as suas dúvidas e desapareceram todas as aflições, pois Jerusalém não se 
mostrava uma aventura perigosa à obra cristã, mas sim o arremate glorioso, o fecho de 
ouro para a preservação do sublime Evangelho. 

Cabia-lhe “viver” e ao mesmo tempo “morrer” pelos princípios que viera pregar aos 

homens, a fim de cimentá-los para a posteridade através da renúncia de sua vida e o 
destemor da morte. Jesus, então, deixou o pequeno aposento onde recebera a clara 
intuição de sua próxima e trágica morte, embora ignorando-lhe a forma e surpreendeu-se 
ante Pedro e João, que o esperavam junto à porta, com certa aflição e temor na 
fisionomia e dizendo que se sentiam dominados pelo pressentimento doloroso de sérios 
perigos que os esperavam em Jerusalém. Então, o Mestre Jesus, tranqüilo e pensativo, 
reuniu todos os discípulos em torno de si e fitando-os com familiar ternura, dominado por 
estranha saudade que lhe pressionava o coração, proferiu as seguintes palavras de 
prudente advertência, mas impregnadas de compreensão e benevolência: “Ensinei-vos o 
caminho da vida eterna, a prática da virtude e a renúncia às honras falazes do mundo; 
honrai a vossa memória e o vosso coração, vivei a paz de espírito que permanece acima 
das glórias e dos poderes transitórios do mundo de César! Pois aquele que confiar em 
mim, disse o Senhor, eu o vestirei e o alimentarei por toda a eternidade! Não vos aflijais 
pelos tesouros do mundo porque vós sereis ricos no Céu. A palavra do Senhor se faz 

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