que a ida de Jesus a Jerusalém não passava de perigosa aventura, pois circulavam
rumores de que seria preso ao chegar à cidade. E talvez a ordem de sua captura já
estivesse expedida.
O Mestre tornou-se pensativo ante as ponderações razoáveis e sensatas de Tomé,
pois se nada temia quanto à sua própria vida, muito o afligia um destino precário
daquela obra erigida à custa de renúncias, amarguras e perseverança. Nada o atraía no
mundo material, cujas sensações e prazeres jamais o faziam vibrar em sua avançada
sensibilidade psíquica, mas hesitava em tomar qualquer decisão, esperançado de
encontrar em Jerusalém o combustível adequado para inflamar a chama da fé e do
ânimo, que ameaçava apagar-se no coração dos seus discípulos e amigos. Enfim, não
vislumbrava outra alternativa afora a de pregar o Evangelho em Jerusalém, que se lhe
afigurava ser a última esperança para conseguir o desejado estímulo renovador dos
seus adeptos.
Decidido, reuniu seus fiéis e transmitiu-lhes a boa nova de sua ida a Jerusalém, não
como visitante, mas para pregar durante as festas de Páscoa nas praças, sinagogas,
escolas e talvez nos pátios do próprio Templo, onde só discursavam ao povo os mais
famosos oradores da Judéia. A notícia alvissareira galvanizou os seus discípulos e ateou
o mais vibrante entusiasmo na turba que o seguia à cata de proventos materiais. O
“Reino de Deus” e o trono de Israel estavam próximos, pois Jesus decidira-se a
empreender a tão esperada Marcha a Jerusalém. A alegria foi contagiante; um sopro
renovador e poderoso vitalizou até os mais pessimistas.
Jesus encontrava-se hospedado na casa da família de Ezequiel, em Betânia,
quando resolveu consentir em pregar na cidade de Jerusalém. A efusiva novidade foi
transmitida a todos e disseminou-se por toda a província. Em breve afluía gente de
todos os recantos de Betânia, dominada pelo intenso júbilo de participar do esperado
“Reino de Deus”, na Terra, a ser instituído em breve pelo Messias, conforme
predisseram os mais abalizados profetas do Velho Testamento. Os discípulos mais
chegados moviam-se céleres, levando e trazendo notícias entre o Messias e os seus
entusiastas seguidores. Ninguém opunha qualquer dúvida ou sequer admitia a mais leve
frustração naquela aventura, que se delineava como o arremate final das pregações de
Jesus. O Mestre iria a Jerusalém não somente pregar a Boa-Nova e o Reino de Deus,
mas inquirir os poderosos, afastar os sacerdotes cúpidos e exploradores do povo infeliz,
assim como libertar o povo eleito do jugo romano. As multidões o esperariam festivas às
portas da cidade para recepcioná-lo, como se faz dignamente a um rei; e o levariam em
triunfo pelas ruas até à cidadela do Templo. Ali, Jesus seria consagrado em sua augusta
majestade divina e da inexpugnável fortaleza seguiriam para o palácio de Herodes, onde
ele assumiria o poder, em cumprimento da profecia de Isaías e Miquéias.
Diante da casa de Ezequiel, a multidão dava vivas a Jesus num delírio de festa. Os
apóstolos sorriam, felizes, contagiados pelo entusiasmo da turba e faziam coro às
hosanas ao Mestre. Apenas Tomé, o homem cauteloso, Felipe, o pessimista, e João,
sempre alheio à ruidosidade do mundo, não comungavam dessa demonstração que
prenunciava trágicos acontecimentos para breves dias.
PERGUNTA: — Qual foi a reação de Jesus ante o entusiasmo de seus apóstolos e
de seu povo, ao festejá-lo como o Rei e Libertador de Israel, a caminho de Jerusalém?
RAMATÍS: — As primeiras exclamações de júbilo do povo haviam contagiado
agradavelmente o Mestre Jesus e até o persuadiu de ser útil o seu acerto em ir pregar em
Jerusalém os princípios do seu Evangelho, embora tivesse certeza de submeter-se a um
batismo de fogo entre os orgulhosos jerusalemitas. Mas, logo em seguida, ficou estupefato
e ao mesmo tempo pesaroso, diante da distorção perigosa que a multidão atribuía aos
seus valores espirituais, pregados há mais de três anos. Era obrigado a reconhecer que
Tomé e Mateus tinham sobejas razões, quando o advertiam de uma infiltração oculta no
movimento cristão, desviando em sentido oposto a essência sublime do seu Evangelho. O
próprio Pedro não escondia o seu júbilo e os demais apóstolos já o tratavam com maior
deferência, juntando-se às festivas aclamações ao “Rei de Israel”. No entanto, Jesus
sentia-se algo culpado daquela situação, pois em face de sua vida essencialmente
introspectiva e vivendo isolado das atividades cotidianas dos seus adeptos, ele
188