que o teriam conhecido. Marcos compôs sua história com o material que podia recolher
entre os freqüentadores de sua casa, nas reuniões cristãs. Daí certas contradições ou
incoerências que se notam entre as quatro narrativas, pois a descrição ou relato do que
“ouviu dizer” é sempre diferente do que se viu pessoalmente.
As dúvidas e contradições dos relatos dos quatro evangelistas são apenas quanto
aos detalhes e pormenores da vida do Mestre e seus feitos, mas não alteram a essência
de suas idéias e de seus ensinamentos. Pode existir diferença de minúcias nos relatos
de suas curas, alteração cronológica em suas peregrinações ou acontecimentos
messiânicos, mas sem quebrar o fio de ouro que liga as contas de sua doutrina. Cada
um dos relatos dos evangelistas se identifica com os outros três, embora variem quanto
à maneira de se expressarem. Sem dúvida, entre o que os evangelistas ouviram,
disseram ou escreveram, e os relatos que chegaram ao vosso século, há contradições,
por vezes, flagrantes e absurdas, devido à intervenção indébita que os quatro
evangelhos sofreram posteriormente, para atender a certos interesses religiosos. Não
podemos acoimar os evangelistas de capciosos, nem de levianos, se não podemos
identificar a realidade exata de suas narrações.
As autoridades religiosas, quando da formação da nova Igreja, ajustaram narrativas
particulares à biografia de Jesus, interpondo nos evangelhos originais certos mitos já
consagrados por outras crenças. O Cristianismo, em sua feição iniciática, era desprovido
de ritos, liturgias, oferendas e compromissos religiosos; evidenciava-se pelas reuniões
singelas nas casas dos discípulos e de quem se propusesse reunir-se em “nome do
Mestre Jesus”. A principal autoridade entre os apóstolos, discípulos e fiéis era a
compostura moral e a pureza de intenções, pois não havia clima favorável para
evidências hierárquicas, nem vaidade para se julgarem novos mestres e líderes. Jesus
ainda estava vivíssimo na alma daquela gente simples e pura de coração. A ele, somente
a ele, sentiam-se obrigados à devoção e à homenagem. Assim, os primitivos relatos dos
evangelistas não autorizam distinções hierárquicas, cerimônias de aparato público, vida
conventual ou especulação de oferendas, como se fazia no tempo de Jesus, mas foi
censurado por ele.
Surgiram então diversos evangelhos apócrifos. Porém, só foram aceitos como
autênticos os evangelhos segundo Lucas, Marcos, João e Mateus. E nestes também
introduziram relatos apócrifos, alterando alguns fatos da vida do Mestre. Além disso, as
traduções do original grego para o latim e outros idiomas têm, igualmente, sofrido
alterações; algumas até ingênuas e ridículas; outras, propositais ou capciosas. A própria
linguagem dos apóstolos, em certos aspectos, não corresponde à sua índole
psicológica, pois João, filho de humilde pescador, passa a relatar assuntos comuns em
linguagem altiloqüente; e Lucas preocupa-se mais com o caráter histórico dos fatos, do
que mesmo com o conteúdo doutrinário da vida de Jesus. No entanto, aproxima-se a
época em que os relatos evangélicos serão escoimados de suas incongruências e
interpolações interesseiras, surgindo a limpidez da movimentação e do pensamento
exato de Jesus. Os espíritos superiores, desde o início deste século, confiando na
sensatez e lógica da doutrina espírita, acertam os valores mediúnicos que, pouco a
pouco, revelarão a verdade cristalina da vida do Espírito mais sábio e Justo que viveu na
Terra, sem derrogar as leis e os costumes normais da vida humana. A colcha de
retalhos, mitológica e ilusória, tecida por interesses religiosos para encobrir a verdade,
será removida, surgindo o Jesus Angélico, mas despido de lendas, mitos e de crendices
dogmáticas do passado.
Esse trabalho de joeiramento do conteúdo dos evangelhos já se iniciou com Kardec,
através de suas corajosas interpretações à luz da realidade dos ensinos de Jesus, pois
despojou o Mestre de sua aura miraculosa, sem ferir as prerrogativas superiores do
admirável Espírito Sábio e Bom, que lançou realmente as bases da libertação definitiva
do homem. Com o advento do “Consolador” prometido, através da manifestação espírita,
já se inicia, realmente, a “segunda vinda” do Cristo, cuja luz se derrama sobre toda a
humanidade. Os Espíritos responsáveis pelo ajuste e fidelidade das narrativas
apostólicas já estão procurando localizar médiuns sem partidarismos ou idéias
preconcebidas, libertos do velho condicionamento religioso, a fim de fazerem fluir sobre
eles a idéia correta e cristalina da atuação de Jesus entre os homens. Ele foi um Deus
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