perfeitamente o aforismo “santo de casa não faz milagres”, coisa que tornaria a acontecer 
hoje, caso ele retornasse à Terra para cumprir tarefas semelhantes. 

Iniciando a sua jornada messiânica, o Mestre Jesus foi alvo de entusiasmos e de 

zombarias, de respeito e sarcasmo, de elogios e censuras, de admiração e hostilidade. Os 
gozadores, os egoístas, os hipócritas de todos os tempos também estiveram presentes na 
sua tarefa de libertação espiritual do homem, e sem dúvida ainda hoje estariam novamente 
na sua “segunda vinda”. Os mais irreverentes da época consideravam Jesus um indivíduo 
hábil, esperto e talentoso, que seduzia as mulheres jovens enquanto usufruía a fortuna das 
viúvas ricas. Os risos de mofa, os ditos ferinos, o sarcasmo e a censura circulavam em 
torno dele, desafiando-lhe a tolerância e a resignação. Entre os seus próprios seguidores 
havia os pusilânimes, traidores e aproveitadores, como só acontece nos movimentos 
políticos e nas revoluções sociais. Para a maioria dos maledicentes, Jesus não passava de 
profeta dos vagabundos, pois a perfídia, como a peçonha da serpente, que se renova a 
cada mordedura, também lograva infiltrar-se entre os seus discípulos e simpatizantes. Os 
mais débeis afastavam-se temerosos ante a primeira ameaça do Sinédrio e os 
interesseiros desistiam ante o insucesso financeiro do movimento cristão. 

Certas vezes, ao surgir na curva do caminho principal que se estreitava depois na 

rua pedregosa principal de Nazaré, voltando de suas pregações junto ao Jordão, 
Tiberíades ou adjacências e cercado pelos pescadores, homens do povo, viúvas, 
mulheres de todos os tipos e condições sociais, então os velhos rabis tomados de cólera 
“sagrada”, recebiam Jesus com apodos e vitupérios. Batiam-lhe as portas da sinagoga à 
sua passagem, num protesto vivo contra as suas idéias e a ousadia de contrariar os 
preceitos de Moisés, em troca de aforismos e ensinamentos subversivos à religião do 
povo. Eram velhos sacerdotes ainda submetidos às regras dos manuscritos ortodoxos e 
não se reconciliavam com a pregação livre e talentosa de Jesus. Os seus protestos senis 
combatiam a idéia imortal que vicejava à luz do dia sob a palavra mágica do jovem 
pregador de Nazaré. Desesperados, empunhavam no recinto da sinagoga massudos e 
envelhecidos pergaminhos para justificarem suas prédicas ortodoxas e o dogmatismo de 
suas palavras vazias. Os fiéis entravam e saíam do santuário local tão ignorantes como 
viviam todos os dias, à semelhança do que ainda hoje ocorre com os crentes modernos, 
que fazem dos templos religiosos exposições de modas ou apenas demonstração de fé 
para efeito de conceito público. O rabi Jesus era portador de idéias revolucionárias, 
explicando a existência de um Deus incompatível com a obstinação, o fanatismo e as 
especulações religiosas dos judeus. Isso era a subversão de todos os costumes 
religiosos e tradicionais do passado até a abdicação da virilidade judaica, pois ele 
chegava a aconselhar a “não-violência” contra os romanos. 

Assim, alguns do seus parentes, vizinhos e amigos, aliando-se aos que possuíam 

interesses no prolongamento de uma situação de utilitarismo pessoal e acobertada pela 
falsa religiosidade, também não viam com bons olhos Jesus em suas pregações tão 
liberais, desprendidas dos preconceitos milenários. Ele contrariava a própria tradição do 
aconchego íntimo do santuário, uma vez que pregava abertamente em público, junto aos 
montes, aos lagos, enfraquecendo o poder religioso e a força sacerdotal centralizados 
nos dogmas religiosos. A natureza era a sua única igreja, pois ele tanto pregava ao povo 
do cimo de uma colina, sob a fronde de uma árvore, à margem dos rios e dos lagos, 
como da popa de um barco de pesca. Os seus sermões eram claros, simples e sem 
mistérios, o que também não agradava aos sacerdotes que se sacudiam nos púlpitos 
agitando a atmosfera das sinagogas com os berros de uma altiloqüência deliberada 
sobre o público. 

Era um contra-senso que um jovem sem aparatos sagrados nos templos e sem os 

estágios disciplinadores do entendimento mosaísta, em vez de se contentar com a 
modesta função de rabi itinerante, expondo soluções miúdas entre o povo, se pusesse a 
minar as bases da Torá substituindo temas, preceitos e regras ditados pelo grande 
legislador que fora Moisés. O seu papel de rabi seria apenas o de explicar com mais 
clareza, ou mesmo sob um toque de sua opinião pessoal, os conceitos da religião 
dominante, mas sem deformá-los ou desmenti-los. Ademais, Jesus enfraquecia o 
“mistério” da religião que alguns homens, astutos como as raposas, evitavam explicá-lo 
ao povo ignorante e tolo. Ensinava tudo muito fácil, expunha em público as delicadas 

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