Num gesto de ansiedade acrescentou:
— Mas ainda não descobri para onde o Pai me guia os passos! — E num sorriso
algo triste, mas resignado, aduziu: — Sofro muito pela espera!...
José mantinha-se silencioso, indeciso, pois receava magoar Jesus.
— Mas, que alimentas em tua alma, que te faz tão diferente dos demais jovens? —
indagou corajosamente.
— Nenhuma flor, nem o ouro, nem o calor da paixão humana aceleram o meu
coração ou encantam minha alma! — redarguiu Jesus, num gesto eloqüente, mas
absorto num mundo irreal. E num longo suspiro, entrecerrando os olhos, desabafou com
certa veemência:
— Vivo somente o anseio de clarear o caminho dessa pobre humanidade, que está
mergulhada num charco de misérias que são a sua própria infelicidade.
— Mas que pode fazer um homem como tu, para transformar os sentimentos dos
outros homens e modificar os costumes da humanidade? — insistiu José, inconformado.
Então Jesus foi dominado por algo estranho, sua voz vibrava altiloqüente, como se
viesse realmente de um ser invisível, porém, mais real do que o próprio mundo das
formas.
— Que importância é viver, se, para contentar os desejos insaciáveis do meu corpo,
preciso esmagar os anseios da minha alma? Que sentido tem a vida, quando consumida
entre os prazeres medíocres e transitórios da carne na implacável caminhada para o
túmulo?
José estremeceu, um tanto confuso.
— Meu filho! Essa é a razão da vida humana e deve ser da vontade do próprio
Jeová que ela assim seja! — observou-lhe, convincente.
Jesus fitou o pai. Apesar da gravidade espiritual de sua fisionomia, ele não
escondeu um sorriso meigo:
— Pai! O boi, o carneiro, o cabrito e o camelo não vivem também a vontade de
Jeová? Mas nós raciocinamos, não é assim? — E acrescentou:
— Que faz o boi, o carneiro, o cabrito e o camelo? Apenas dormem, digerem,
procriam, atendendo às suas necessidades físicas! O seu mundo é produto dos instintos
que os impelem para a satisfação da sua via animal. — E pousando, de leve, a mão na
testa de José e, em seguida, na sua própria fonte, acrescentou, gravemente: — Tu
pensas; eu penso. Existimos além de nossos sentidos físicos. Muito além dos
fenômenos transitórios do corpo. Em nossos próprios ombros, Jeová colocou o arbítrio
de optarmos pelos ideais superiores da alma ou nos escravizarmos aos tesouros, aos
bens que as traças comem, a ferrugem rói e os ladrões roubam. Entendes, pai?
José parecia fatigado ao acompanhar Jesus nos seus altos vôos filosóficos. No
entanto, era um espírito envelhecido e experimentado no curso doloroso e educativo das
vidas planetárias. Por isso, se não o entendia na consciência física, sentia-o no âmago da
sua alma, pois a verdade inconfundível que fluía das palavras eloqüentes de seu filho eram
um fogo perene que lembrava as chamas do sacrifício religioso e possuíam vibrações de
alta inspiração. Algo de misterioso havia sido ateado em sua própria alma. Estranha
suavidade envolveu-o num instante e parecia ouvir melodias desconhecidas sob um halo
de diáfano perfume. Sua mente ficara vitalizada por uma energia deslumbrante e que lhe
dava uma percepção mais ampla da vida e das coisas. O coração ficara confortado e doce
brisa balsamiza-lhe a alma. Porém, pouco a pouco delineou-se o cenário triste do mundo
de formas pesadas e obscuras. Então, à sua frente, descortinou a figura de seu filho Jesus;
mas, de súbito, estranha emoção invadiu-lhe o coração e sua alma entreviu, na memória
espiritual, o quadro do Calvário, embora sem poder defini-lo em sua consciência física. Foi
o terrível pressentimento, a lembrança estigmatizada de antes de encarnar-se na matéria e
que agora assumia o vulto de uma tremenda possibilidade. Pesaroso e aflito, exclamou:
— Temo por ti, meu filho!
Jesus sorriu como se o tivesse compreendido em toda sua dor e presságio, mas era
um sorriso ascético, sublime e heróico, que encorajava, pois tinha um halo de beleza
impressionante.
— Jamais alguém se perde no seio de meu Pai, que está nos céus! — replicou ele,
apontando suavemente para o Alto. — Quem der sua vida pelo amor de Jeová, ganhá-la-á
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