patriarcas e profetas do Antigo Testamento. Ele viera iluminar ou ampliar os próprios
ensinamentos de Moisés e torná-los mais amenos quanto à sua responsabilidade moral.
Substituía o conceito pessoal e punitivo de “olho por olho e dente por dente”, pela
condição cármica de “quem com ferro fere com ferro será ferido”, na qual Deus não
castiga, mas é a própria criatura que se pune dos seus pecados, aceitando
espontaneamente os mesmos efeitos das causas perniciosas movimentadas no
passado.
Jeová, sob o toque sublime dos ensinamentos de Jesus, tornava-se mais tolerante,
terno e compassivo, diminuindo suas exigências demasiadamente humanas. Isso
atendia às simpatias dos galileus, que eram considerados gentios ignorantes dos
formalismos religiosos e que aceitavam, sem protestos, a nova versão de Jeová,
distanciando-se cada vez mais das seitas religiosas e dos bens do mundo. Mas os
fariseus, embora sem qualquer temor dos ensinamentos daquele rabi da Galiléia,
perceberam que se enfraquecia a virilidade doutrinária de Moisés. E a perigosa
desumanização de Jeová poderia trazer sérios prejuízos aos cofres do Templo. Daí por
diante, eles passaram a vigiar Jesus e recear os efeitos de suas idéias desagregadoras
na comunidade dos galileus.
PERGUNTA: — Jesus também não poderia comprovar sua missão, encarnando-se
entre outras raças que, igualmente, adoravam a Divindade e rendiam-lhe cultos
religiosos? Que vos parece?
RAMATÍS: — Não é somente o culto religioso, a devoção pobre ou fidalga, mas
acima de tudo importa distinguir num povo ou raça, qual o sentimento que o anima
nessa crença religiosa. Há cultos religiosos de natureza profundamente racionalista ou
excessivamente interesseiros, que se devotam a diversos deuses. A missão de Jesus,
em seu início e acima de tudo, pedia “sentimento puro”, fé inabalável, humildade
absoluta e certa ingenuidade dos seus simpatizantes, a fim de cimentar-se rapidamente,
sem discussões estéreis, especulações fatigantes ou dúvidas mortificantes. Tendo seu
início nas raízes mais profundas do coração humano, só a valorização imediata de
sentimentos e de emoções quase infantis poderia sustentar o Cristianismo no seu berço,
até aliciar mais tarde os testemunhos próprios dos intelectos mais desenvolvidos. Hoje,
o Evangelho é, sem qualquer hesitação, uma doutrina respeitada pelos cérebros de
maior cultura filosófica e científica do mundo, considerado um poema de beleza e um
tratado de libertação do espírito aguilhoado à animalidade biológica. Raros homens
puderam entender quantas dificuldades Jesus encontrou nos primeiros dias de sua
pregação doutrinária, quanto ao seu cuidado para que fosse afastada e superada
qualquer excrescência do mundo. Os próprios espíritas de hoje podem avaliar esse zelo
de Jesus para manter a pureza iniciática do Cristianismo pelo esforço que também
fazem para evitar que o Espiritismo codificado sofra as deformações, os ridículos das
práticas supersticiosas impróprias à sua mensagem de libertação espiritual.
Por isso, Jesus teve de recorrer exclusivamente aos homens brutos, ignorantes e
intempestivos, porém simples, francos, humildes e sinceros em suas emoções, como
foram os apóstolos. Eles jamais contestavam os ensinos do Mestre, nem lhe opunham as
conclusões próprias dos malabarismos do intelecto. Bebiam as palavras que lhes eram
transmitidas noticiando o “Reino de Deus” e criam cegamente naquela mensagem de
ternura e esperança infinitas. Assim, foram eles o cimento vivo que solidificou os
fundamentos do Cristianismo, até se tornar resistente e imune às influências dos credos
pagãos da época e às distorções religiosas, próprias das falsas interpretações pessoais.
Devido ao seu fabuloso conhecimento sobre a psicologia da alma humana, Jesus
sabia dos prejuízos que sua obra sofreria, caso recorresse de início ao intelecto dos
homens em vez de falar-lhes ao coração. Os seus primeiros discípulos teriam de ser
criaturas descomplexadas, com emoções à flor da pele, tal qual as criancinhas, “porque
delas é o reino dos céus”. Artista Divino, trabalhando há dois mil anos com material tão
deficiente como o pescador, o camponês, o publicano e a prostituta, Jesus esculpiu na
carne humana as figuras monumentais de um Pedro, João, Mateus, Tiago, Timóteo,
Madalena e outros. Só depois que o coração dos simples consolidou a base do
Cristianismo é que o Alto então recorreu mais propriamente ao intelecto, chamando ao
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