o que era moral no pretérito pode ser imoral no presente. Por esse motivo, não podeis
ajuizar a vida de um povo de mais de dois mil anos, aferindo-lhe os valores morais
mediante o critério do vosso século. Explicamos que, entre os antropófagos, é de boa
moral devorar o guerreiro valente, enquanto que para vós isso é imoral e repugnante. No
entanto, a moral moderna, que vos permite devorar o suíno, o boi ou o carneiro, é
profundamente imoral para a humanidade superior, dos marcianos, que ficaria
escandalizada se lhe oferecessem um rim no espeto ou uma costela de porco assada.
Em certos povos do Oriente, a poligamia é de boa moral. Entretanto, no vosso país tal
prática seria punida com prisão. Algumas tribos asiáticas, menos evoluídas do que vós,
tachariam de imoralidade o fato de os ocidentais, após o falecimento de um dos
cônjuges, permitirem que o sobrevivente se case outra vez. A moral cristã que Jesus
pregou há dois mil anos, e que hoje considerais de ordem superior, foi o que o levou a
ser crucificado, porque essa moral era considerada subversiva e contrária à moral da
época, que era a de abocanhar tudo e não renunciar a coisa alguma.
A Bíblia historia a vida do povo judeu, com seus costumes e sistemas, que diferem
profundamente da ótica ocidental moderna. No entanto, nenhuma outra nação do mundo
foi tão pura em sua fé para com Deus e tão preocupada com o reinado espiritual da
alma. Conforme já lembramos, Abraão, quando decide matar seu próprio filho, apenas
porque Deus assim ordenara, representa, alegoricamente, a submissão incondicional
que a raça hebréia manifestava ao seu Criador. Embora vos pareçam submissões
absurdas e até condenáveis pelo espírito liberal e científico da vossa época, atestam
elas a inigualável fidelidade e o sentimento daquela gente para com os poderes
superiores. Nenhum povo poderia reproduzir aqueles pescadores iletrados e
camponeses rudes que saíram pelo mundo a pregar uma nova ética contrária à sua
própria moral racista e tradicional quando, paradoxalmente, a vossa humanidade, tão
evoluída, não conseguiu ainda assimilar tão alto padrão nem o Evangelho que eles
pregavam. A raça que apresentou um Isaías, um Jesus de Nazaré, um Pedro, um Paulo
de Tarso, um Timóteo ou Maria de Magdala, e a plêiade de mártires trucidados depois
nos circos romanos, embora tenha misturado a sua vida profana com a divina e atribuído
suas insanidades à própria “palavra de Deus”, pode ter pregado estranha moral e até
aberrativa, na Bíblia, mas doou a maior contribuição à humanidade, pois foi o berço do
Salvador do Mundo.
PERGUNTA: — Então, devemos ignorar propositadamente esses aspectos bíblicos,
que para nós são moralmente deformantes?
RAMATÍS: — Não endossamos textos bíblicos que possam deformar a “melhor”
moral do vosso tempo, mas lembramos que os aspectos imorais da Bíblia, atribuídos às
presunções divinas, ficaram revelados à luz do dia; e assim foi conhecida a
vulnerabilidade moral do próprio povo israelita. É óbvio que a sua imprudência infantil
em expor, em público, as suas mazelas íntimas e detalhar a violência fanática dos seus
líderes religiosos, à conta de vontade imperiosa de Deus, estigmatizou-lhe a tradição. No
entanto, a diferença entre a imoralidade judaica, exposta na Bíblia, e a do vosso século,
é bem pequena. O judeu a expôs em público, ao passo que a humanidade atual a
esconde habilmente. A civilização moderna pratica as mais abjetas e vis torpezas e,
apesar disso, continua dentro dos templos religiosos, embevecida com a vontade de
Deus. A corrupção crescente, o luxo nababesco, as uniões conjugais modernas, que
disfarçam cálculos astuciosos, o desregramento precoce e as intrigas internacionais
para o comércio diabólico da morte, sob a pseudo-inspiração de Deus, não deveriam
merecer também a urgente atenção de todos os moralistas modernos?
Jeová protegia as tribos de Israel contra outros povos e se deliciava com o “cheiro
de sangue dos holocaustos”, mas hoje a religião abençoa canhões, cruzadores e
aeronaves de guerra, misturando o Deus de Amor, de Jesus, com carnificinas piores que
as descritas na Bíblia. Há dois ou três milênios, era razoável que um povo desprovido de
cultura científica do vosso século, desconhecendo a eletricidade, o rádio, a televisão, a
cinematografia e o intercâmbio aéreo a jato, ainda confundisse o seu instinto belicoso e
a sua moral censurável com os preceitos divinos, mas atualmente é demasiada cegueira
matar-se invocando o nome de Deus para proteger exércitos simpáticos ou para
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